Sedento
não procurei a água.
Foi a água
pura
que abriu a boca
à minha língua.
Casimiro de Brito
Fotografia de Pedro Cabeçadas
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Digo-te que a Sul
Gemem as portadas na noite
E há um deslizar de sombras
Encerradas no califado antigo
Onde as mouras tecem fios de ouro
Em tranças de ébano
Sul
Onde invento toucados de algas
Colares de búzios
E pérolas de sal
Evocando a leveza do tempo
De caminhos perfumados de alfarrobas
Onde o calor esfarela o ocre da terra
E onde os pássaros tombam de cansaço
Sul
No incêndio das praias à tarde
Ainda o bafo morno
Do vento suão a entorpecer-nos os gestos
Ainda a audível música do sol
a pulsar no mar
Ainda o tear do sonho
A entretecer-se
No tela da vida.
Graça Maria Teixeira Pinto.
Fotografia de Laura Almeida Azevedo
Minha terra embalada pelas ondas,
Lindo país de moiras encantadas,
Onde o amor tece lendas e onde as fadas
Em castelos de lua dançam rondas…
Oh meu Algarve, quero que me escondas…
Que na treva da morte haja alvoradas!
Hei de sonhar com moiras encantadas,
Se eu dormir embalado pelas ondas…
Quando o sol emergir de trás da serra,
Sempre será o sol da minha terra
A fecundar-me o chão da sepultura…
Ao pé dos meus, na minha aldeia querida,
A morte será quase uma ventura,
A morte será quase como a vida…
Cândido Guerreiro
(Alte - 1871\1953)
Fotografia - Vista aérea de Ferragudo, através da página "Portimão, Você Está Aqui"
Acho uma moral ruim
trazer o vulgo enganado:
mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.
Sou um dos membros malditos
dessa falsa sociedade
que, baseada nos mitos,
pode roubar à vontade.
Esses por quem não te interessas
produzem quanto consomes:
vivem das tuas promessas
ganhando o pão que tu comes.
Não me deem mais desgostos
porque sei raciocinar...
Só os burros estão dispostos
a sofrer sem protestar!
Esta mascarada enorme
com que o mundo nos aldraba,
dura enquanto o povo dorme,
quando ele acordar, acaba.
António Aleixo
Arte - Retrato de António Aleixo por Adriano Aires
Atenta
olho a paisagem!...
Oiço
a voz da natureza...
Sinto
a brisa refrescante.
...
Contemplo
a linha do horizonte...
de um lado
o Sol
se deita,
do outro
a Lua
desperta...
A sul,
o mar
vai e volta
vejo as ondas
em revolta...
O mar
tão belo,
tão perto
e tão longe!...
A norte,
a serrania
define
a harmonia da imagem...
as árvores,
as flores,
o céu,
as aves...
...
Parece
uma montagem...
quiçá
uma miragem!
...
Este quadro
natural
de deslumbrante
visual,
emocionante
e inspirador...
é a paisagem
que rodeia
a minha açoteia!
Mª da Graça Dordio Dimas
(Olhão)
Algarve, onde os perfis, romanescos, dolentes,
Têm um ar de sonho e de fadiga mole,
E parecem abrir-se em curvas indolentes,
Como flores também, ao palpitar do Sol…
João Lúcio, "O Meu Algarve" 1905
É a praia de Faro. É a cidade onde nasci e onde vivi até aos vinte anos. Depois disso, foram algumas as cidades que, hoje, posso dizer que são «as minhas cidades»: Albufeira, São Pedro do Estoril, Lisboa, Carnaxide e, agora, Londres. Mudar de cidade tem feito parte da minha vida, assim como faz parte da nossa vida mudar de escola, de trabalho, de calças ou de sonhos. E sempre acompanhada por novos desafios: uma vontade genuína de ser mais feliz, uma curiosidade gigante de descobrir algo novo — e, sobretudo, uma vontade emergente de me descobrir a mim e às minhas emoções num lugar novo. Porque mudar de cidade, ou de casa, é tudo isto.
Laura Almeida Azevedo (Faro)
1 - tem flores branquinhas
Castelo
Semelhante à imóvel transparência
à inesgotável face
à pedra larga onde o olhar repousa
Àgua sombra e a figura
azul quase um jardim por sob a sombra
a iminência viva aérea
de uma palavra suspensa
na folhagem
Semelhante ao disperso ao ínfimo
chama-se agora aqui o sono da erva
a ligeireza livre
a nuvem sobre a página
António Ramos Rosa, em "A Nuvem sobre a Página" (1978)
(Faro, 17 de outubro de 1924 – Lisboa, 23 de setembro de 2013)
Fotografia - Ludo por Pedro Cabeçadas
Faz-se o poema… fazendo.
Frase a frase, no seu ritmo, no seu incógnito rumo;
De fogo ou de fumo…
Na descoberta do livre movimento na forma de um registo aceso.
Que haja quem o leve, leve, sem peso.
Faz-se o poema despertando-o do sono em que dormia;
No corpo do campo da incerteza e desafio,
Um fio que se desata, afiando a imagem e a sua melodia.
Faz-se o poema como vulto embrionário pronto para saltar
A terreiro para o mundo, à luz do dia avinagrado;
Faz-se o poema na careta da folha, de um a outro lado,
Que venha o leitor e escolha…
Mel? O dia.
Manuel Neto dos Santos
(Alcantarilha)
Fotografia de Henrique André
Amo-te porque não me amo
inteiramente. O que me falta
é infinito
mas tu és do bem que me falta
o enigma onde se condensam
a terra e o sol o ar as águas
invioladas
e tenho a boca cheia
de música ondulação
do teu silêncio.
Casimiro de Brito
(Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)
Fotografia de Isaura Almeida