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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Sul

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Digo-te que a Sul
Gemem as portadas na noite
E há um deslizar de sombras
Encerradas no califado antigo
Onde as mouras tecem fios de ouro
Em tranças de ébano
Sul
Onde invento toucados de algas
Colares de búzios
E pérolas de sal
Evocando a leveza do tempo
De caminhos perfumados de alfarrobas
Onde o calor esfarela o ocre da terra
E onde os pássaros tombam de cansaço
Sul
No incêndio das praias à tarde
Ainda o bafo morno
Do vento suão a entorpecer-nos os gestos
Ainda a audível música do sol
a pulsar no mar
Ainda o tear do sonho
A entretecer-se
No tela da vida.

Graça Maria Teixeira Pinto.


Fotografia de Laura Almeida Azevedo

Escrevo pássaros

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Escrevo pássaros e nada sei
do corpo deles nem das suas
inclinações – nada sei do amor
tão pleno de falsificações. Se canto,
se escrevo assim às escuras da noite
do meu lençol
é porque não sei incorporar
os ruídos, as veredas da casa
nem olhar para o lado
e ver por dentro
o rosto da amada, o sono
da filha – os ritmos da morte
que dão e só eles são
sabor
à passagem do tempo.


Casimiro de Brito, em “Livro das Quedas”

(Casimiro Cavaco Correia de Brito (Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938) - Poeta, ensaísta e ficcionista português.

Fotografia de Pedro Cabeçadas

 

Ver mar ao longe

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Porque será que meus olhos tanto necessitam
de ver mar ao longe?
Ou pelo menos a água
de um rio
para aí cheirar a sua raiz
Se calhar foi por tanto apetecer o azul
da água ao longe
que meus olhos são claros
e por tanto amar o mar
que meus desgostos
se tornaram destemidos e salgados
e têm
o voo a pique das gaivotas
e o grito ácido
dos pássaros marinhos

Teresa Rita Lopes, no livro "Afectos"

(Teresa Rita Lopes nasceu em Faro em 1937. E uma escritora e importante investigadora pessoana portuguesa.)

Fotografia - Praia de Faro por Isaura Almeida

 

Minha terra embalada pelas ondas

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Minha terra embalada pelas ondas,
Lindo país de moiras encantadas,
Onde o amor tece lendas e onde as fadas
Em castelos de lua dançam rondas…

Oh meu Algarve, quero que me escondas…
Que na treva da morte haja alvoradas!
Hei de sonhar com moiras encantadas,
Se eu dormir embalado pelas ondas…

Quando o sol emergir de trás da serra,
Sempre será o sol da minha terra
A fecundar-me o chão da sepultura…

Ao pé dos meus, na minha aldeia querida,
A morte será quase uma ventura,
A morte será quase como a vida…

Cândido Guerreiro

(Alte - 1871\1953)


Fotografia - Vista aérea de Ferragudo, através da página "Portimão, Você Está Aqui"

Rumo ao sul

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O sol entra despudorado pelas frestas da casa
num beijo a saber a mar
dilatam-se as narinas a farejar gaivotas
e o calor acende fagulhas
no mais fundo do corpo
impossível resistir ao brilho das estrelas
que se enterram na areia
é tempo de seguir as aves
e rumar ao sul

Maria Jorgete Teixeira

Arte- Clara Andrade
(Portimão)

 

Moral Ruim

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Acho uma moral ruim
trazer o vulgo enganado:
mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.

Sou um dos membros malditos
dessa falsa sociedade
que, baseada nos mitos,
pode roubar à vontade.

Esses por quem não te interessas
produzem quanto consomes:
vivem das tuas promessas
ganhando o pão que tu comes.

Não me deem mais desgostos
porque sei raciocinar...
Só os burros estão dispostos
a sofrer sem protestar!

Esta mascarada enorme
com que o mundo nos aldraba,
dura enquanto o povo dorme,
quando ele acordar, acaba.

António Aleixo

Arte - Retrato de António Aleixo por Adriano Aires

No Fundo

No fundo,
no fundo
somos todos náufragos
neste mundo.

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Navegantes
esfaimados,
sedentos,

desesperados
em busca
dum olhar amigo,
dum sorriso cúmplice,
dum corpo de abrigo.

Mareantes,
náufragos mirrados
pelo escorbuto da solidão,

desenhando no silêncio
os traços fugazes e ondulantes
duma tábua de salvação.

Miguel Afonso Andersen, em “Tríptico de Vozes”
(Ferragudo \ Portimão)

Fotografia de Portimão por Nuno Caetano

 

Todas as Horas

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Todas as horas, todos os minutos,
São para mim a véspera da partida.

Preparo-me para a morte, como quem
Se prepara para a vida.

Em qualquer parte eu disse que a Beleza
Não nasce só mas sim acompanhada.

Não são palavras minhas as que eu digo.
À minha boca pertence aos que me amam.

Mudos e sós.
À nossa volta todos os amantes
Sentir-se-ão tranquilos.
Um coração puro
É como o Sol:
Brilha todos os dias.

Raúl de Carvalho, em 'Realidade Branca'
(Alvito, Baixo Alentejo, 4 de setembro de 1920 - 3 de Setembro de 1984)

Fotografia - João P. Santos Photography "amanhecer no Alentejo"

 

Gaivota

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Transporta no bico
Esse traço fino
Entre o verde e o azul
Que separa e enleia
O espanto do menino
E um castelo de areia
Nas praias do sul

Leva na asa
A brisa leve
Dum final de tarde
E no seu olhar
O reflexo róseo
Da barra-poente
Que reflete e arde.

Leva no peito
O branco-alvura
De pureza e paz
E em cada voo
A força e o assombro
Que um belo poema
Só ele é capaz

Ofélia Bomba
(Boliqueime, Loulé)

Fotografia de Henrique André
(Faro)


A minha paisagem

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Atenta
olho a paisagem!...
Oiço
a voz da natureza...
Sinto
a brisa refrescante.
...
Contemplo
a linha do horizonte...
de um lado
o Sol
se deita,
do outro
a Lua
desperta...

A sul,
o mar
vai e volta
vejo as ondas
em revolta...
O mar
tão belo,
tão perto
e tão longe!...

A norte,
a serrania
define
a harmonia da imagem...
as árvores,
as flores,
o céu,
as aves...
...
Parece
uma montagem...
quiçá
uma miragem!
...
Este quadro
natural
de deslumbrante
visual,
emocionante
e inspirador...
é a paisagem
que rodeia
a minha açoteia!

Mª da Graça Dordio Dimas
(Olhão)

Mulher(es)

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Mulher(es)
são
flores
bordadas
a
ponto
de
oiro
fino
.
são
planícies
estendidas
num amanhecer por chegar
.
são
dança
suave
de
todos
rios
desaguando
na ternura de mil mares
.
são
caminhos
chuva
serras
seiva escura
cidadelas
astros
estrelas brilhantes
geada invadindo todas as colinas
fogo escorrendo pelos matagais desprevenidos
são asas de abril fecundando a Liberdade
.
ave
pássaro livre
folhagem
papoila rubra
gira-sol
rosmanhinho
cântigo
rosa brava
tecendo mantos de meiguice
céu ondulante num espaço qualquer
.
são
final de tarde
madrigais
alvorecer
horas renovadas
sombra
penumbra
água límpida
fumo branco
ventres rasgados parindo vida
gritos silenciados por palavras
(con)sentidas
escondidas
abafadas
na sombra da sua solidão
.
são
semente
espuma
barca
caravela
pedra gerando linfa
pássaros despertos voando no Abril de amanhã
céu azul onde não há (in)finitos...
.

Poema e arte de Mariana Valente (mariAna)
(Serpa)

 

O que é que digo à saudade

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O que é que digo à saudade
nas noites em que me deito
e relembro do meu jeito
os dias da minha infância.
Que é feito da tal figueira
onde sempre me escondia
nas horas de brincadeira?
Onde está a velha casa
e o fumo da lareira
e o cheiro dos enchidos
pendurados no fumeiro?
E o pão, tão gostoso,
acabado de cozer?
que comia com prazer?
Onde está a velha eira
de milho louro a secar
que iriamos desfolhar?
E as nossas idas à praia,
com a mula carregada,
junto à ria a descansar
p´ra poder atravessar
depois da maré vazar?
O que é que digo à saudade
da bata branca, do laço,
livros debaixo do braço,
correndo despenteada
p´ra jogar à apanhada?
O que é que digo à saudade
desta saudade sem esperança
de voltar a ser criança!

Alcina Viegas, do livro "Pedaços de mim"
(Tavira)

 

Ninguém me prende

Loulé - Vitor Pina.jpg

 

Ninguém me prende, ó séria, extravagante
Liberdade de ser quem sou; nem mais.
Tosco, nas formas, como os figueirais,
Nevado no amendoal... lá mais adiante.
Livre! Sou livre como é livre tudo
Quanto, por ter nascido, mais não é;
Sou livre, nesta força de maré
Com que os versos me invadem, a miúdo.
Ninguém me prende, nem o Amor sequer;
Sou homem livre. Que maior riqueza
Não pode ter doado a natureza
A quem se libertou, logo ao nascer?
Traz, o esplendor do dia, a placidez da noite.
Traz, em teu corpo todo, o encanto que preciso...
Cantar-te- ei, de mim, outro cantar de Amigo.
Cantar- te- ei, de nós, o amor onde se acoite.
Traz, de uma noite, a calma, do dia o alvoroço
Que ponha, em nossos corpos, um reboliço imenso;
E dar-te- ei, de mim, de nós uma espiral de incenso.

Manuel Neto dos Santos, em "PASSIONÁRIO" (a publicar)
(Alcantarilha)

Fotografia - Rocha da Pena Loulé por
Vitor Pina - Photography.

Olá Faro!

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É a praia de Faro. É a cidade onde nasci e onde vivi até aos vinte anos. Depois disso, foram algumas as cidades que, hoje, posso dizer que são «as minhas cidades»: Albufeira, São Pedro do Estoril, Lisboa, Carnaxide e, agora, Londres. Mudar de cidade tem feito parte da minha vida, assim como faz parte da nossa vida mudar de escola, de trabalho, de calças ou de sonhos. E sempre acompanhada por novos desafios: uma vontade genuína de ser mais feliz, uma curiosidade gigante de descobrir algo novo — e, sobretudo, uma vontade emergente de me descobrir a mim e às minhas emoções num lugar novo. Porque mudar de cidade, ou de casa, é tudo isto.

Laura Almeida Azevedo (Faro)

Que lindo medronho

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1 - tem flores branquinhas
este medronheiro
com muitas folhinhas
todo o ano inteiro.

Refrão
é verde, amarelo
é fruto de sonho
redondo tão belo
vermelho o medronho.

2 - sem folhas nem ramos
no cesto lá ponho
e juntos cantamos
ao lindo medronho.

3 - de encostas a pique
nos campos da serra
a bela Monchique
é a nossa terra.

4 - e o tempo passado
numa cura lenta
o mosto é dourado
enquanto fermenta.

5 - aromas já lega
na dorna dormindo
no frio da adega
o março vem vindo.

6 -fogueira que arde
sob o alambique
de noite e de tarde
em toda a Monchique.

7 - no cântaro corre
e fico risonho
quando ele escorre
já puro medronho.

8 - o pão com choriça
também nos atesta
depois desta liça
que venha a festa.

Fernando Reis Luís
(Monchique)
Canção criada para o Grupo Coral da Confraria do Medronho "Os Monchiqueiros"

 

Ferragudo


Ferragudo POR RUI PINHEIRO.jpg

 

Castelo

ou forte,
contraforte.

Muralha, moldura azul do mar
murmurando em seu torno,
no vaivém das marés.

Alcantilado contorno
de presépio ou de altar
com o Arade ancorado a seus pés.

Miguel Afonso Andersen, no livro "Da volúpia,os sinais"
(pseudónimo literário do cidadão Hélder Neves, natural de Estombar (Lagoa))

Arte: Ferragudo por Rui Pinheiro

 

Semelhante à imóvel transparência

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Semelhante à imóvel transparência
à inesgotável face
à pedra larga onde o olhar repousa

Àgua sombra e a figura
azul quase um jardim por sob a sombra
a iminência viva aérea
de uma palavra suspensa
na folhagem

Semelhante ao disperso ao ínfimo
chama-se agora aqui o sono da erva
a ligeireza livre
a nuvem sobre a página

António Ramos Rosa, em "A Nuvem sobre a Página" (1978)
(Faro, 17 de outubro de 1924 – Lisboa, 23 de setembro de 2013)

Fotografia - Ludo por Pedro Cabeçadas

Faz-se o poema… fazendo

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Faz-se o poema… fazendo.
Frase a frase, no seu ritmo, no seu incógnito rumo;
De fogo ou de fumo…
Na descoberta do livre movimento na forma de um registo aceso.
Que haja quem o leve, leve, sem peso.
Faz-se o poema despertando-o do sono em que dormia;
No corpo do campo da incerteza e desafio,
Um fio que se desata, afiando a imagem e a sua melodia.
Faz-se o poema como vulto embrionário pronto para saltar
A terreiro para o mundo, à luz do dia avinagrado;
Faz-se o poema na careta da folha, de um a outro lado,
Que venha o leitor e escolha…
Mel? O dia.

Manuel Neto dos Santos
(Alcantarilha)

Fotografia de Henrique André