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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Sou do mar

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Sou do mar, lá repousam meus olhos
navegando momentos de calmaria…
No mar, afogo fundo os escolhos,
pesco sonhos , vestidos de maresia.

Sou barco remando outras paragens,
busco no mar as minhas fantasias,
Sou como maré sempre em viagem,
O que encontro mais são marés vazias.

Meus remos são leves como vento,
levam-me longe, como pensamento,
enquanto eu quiser e puder remar

E vão meus olhos buscando repouso
na grande viagem que sonho e ouso
que vou conquistar, porque sou do mar…

Alcina Viegas
(Tavira)

Fotografia de Isaura Almeida
(Faro)

 

Escrevo

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Escrevo sul como quem soletra água
Escrevo sol como quem rejeita mágoa
Procuro o mar entre cachões de espuma
Ou nas ternuras súbitas de uma brisa breve
Uma açucena um som um rasto de alfazema
Amendoeiras plantadas em terras de sal
E retenho o fulgor breve das palavras
Como se fossem ondas libertadas
De infinitos sonhos por cumprir
E escrevo um poema como quem ara a terra
Ou semeia a vida que há de vir.

Graça Maria Teixeira Pinto

Fotografia - Algarve - retirada do Google

 

O Dinheiro

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O dinheiro é tão bonito,
Tão bonito, o maganão!
Tem tanta graça, o maldito,
Tem tanto chiste, o ladrão!
O falar, fala de um modo...
Todo ele, aquele todo...
E elas acham-no tão guapo!
Velhinha ou moça que veja,
Por mais esquiva que seja,
Tlim!
Papo.

E a cegueira da justiça
Como ele a tira num ai!
Sem lhe tocar com a pinça;
E só dizer-lhe: «Aí vai...»
Operação melindrosa,
Que não é lá qualquer coisa;
Catarata, tome conta!
Pois não faz mais do que isto,
Diz-me um juiz que o tem visto:
Tlim!
Pronta.

Nessas espécies de exames
Que a gente faz em rapaz,
São milagres aos enxames
O que aquele demo faz!
Sem saber nem patavina
De gramática latina,
Quer-se um rapaz dali fora?
Vai ele com tais falinhas,
Tais gaifonas, tais coisinhas...
Tlim!
Ora...

Aquela fisionomia
É lábia que o demo tem!
Mas numa secretaria
Aí é que é vê-lo bem!
Quando ele de grande gala,
Entra o ministro na sala,
Aproveita a ocasião:
«Conhece este amigo antigo?»
— Oh, meu tão antigo amigo!
(Tlim!)
Pois não!

João de Deus, em 'Campo de Flores'
(São Bartolomeu de Messines- 8 de março de 1830\ Lisboa -11 de janeiro 1896)

À tua porta há um pinheiro manso

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À tua porta há um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.

Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.

Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra...

E, à noite, a sua voz dolente e vaga
É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!

Florbela Espanca, em "A Mensageira das Violetas"
(Vila Viçosa, 8 de dezembro de 1894)

Arte - Pedro-Buisel - ALENTEJO

 

Poema Livre

 

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Sou livre. Não faço sonetos com rimas.
Escrevo, somente, o que sinto no peito.
Já pus fim às regras. E sem preconceito
desfiz exigências sem ter de usar limas.

A livre poesia me lembra as vindimas,
onde há moças lindas, cantando a seu jeito,
depondo em canastras o fruto perfeito,
que apenas suplica doçura de climas.

Bastou-me a doutrina que vai na distância,
com marcas deixadas por toda a infância
e restos de medos, no fundo, submersos.

Tirei as algemas. Escrevo sem lei
palavras plebeias, opostas ao rei,
sem métrica ou rima a cingir os meus versos

Glória Marreiros
(Monchique)

Fotografia de Martyna Mazurek
(Faro)

 

No corpo translucido...

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No
corpo translucido
há cristais
lavados de luz
e de vento
e de tempo
e de chão

onde a alma
se enleia
embaraça
galgando
os lábios da saudade
procurando
o dorso do segredo
ou o teu olhar que não morre

sou
sémen volume voz agua e luz
e todo o universo que gera o declínio do (teu) silêncio...

Mariana Valente (mariAna)
(Serpa)
 
Fotografia retirada do Google

 

Deixei contigo...

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Deixei contigo o meu amor,
música de açúcar a meio da tarde,
um botão de vestido por apertar,
e o da vida por desapertar,
a flor que secou nas páginas de um livro,
tantas palavras por dizer
e a pressa de chegar,
com o azul do céu à saída.
por entre cafés fechados e um por abrir.

Mas trouxe comigo o teu amor,
os murmúrios que o dizem quando os lembro,
a surpresa de um brilho no olhar,
brinco perdido em secreto campo,
o remorso de partir ao chegar,
e tudo descobrir de cada vez,
mesmo que seja igual ao que vês
neste caminho por encontrar
em que só tu me consegues guiar.

Por isso tenho tudo o que preciso
mesmo que nada nos seja dado;
e basta-me lembrar o teu sorriso
para te sentir ao meu lado.

Nuno Júdice, em "O Estado dos Campos" (Dom Quixote, 2003)
(29 de abril de 1949, Mexilhoeira Grande)

Arte - Clara Andrade
(Portimão)

 

Lá na foz do rio Arade...

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Lá na foz do rio Arade,
À beira do mar azul,
Nasceu um dia a cidade
Mais linda de todo o sul.
Por entre terras de tantos
Pergaminhos e beleza,
Portimão, com seus encantos,
ganha modos de Princesa.
Tão moça, e já tão crescida,
Tão senhora, toda ela
tem a graça colorida
e fresca duma aguarela...

João Braz Machado
(S. Brás de Alportel-13 de março de 1912 \ Portimão - 22 de junho de 1993)

Fotografia aérea de Portimão e foz do rio Arade, retirada da página Portimão, Você Está Aqui

 

Cruzo a memória do tempo...

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Cruzo a memória
do tempo
e busco desabrido
o meu primeiro som.

O primordial e vago vagido
a primeira nota, um semitom.

Perene, mas vil, o tempo nada deixa
do passado passar por sua ténue fresta
e há em mim uma alma exasperada que se queixa
do que foi, do que é, do que lhe resta.

Nem memória, sedimento ou outro sinal
desse som, desse meio tom, desse vagido
tudo o que eu fui não passa afinal
dum remoto, fraco e impercetível ruído.

Miguel Afonso Andersen, do livro "O início das águas" (polifonia atónica)

 

O abraço azul

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Não pode ser azul um terno abraço,
Nem de nós está longe quem amamos,
Se o vento nos lembrar e nos lembramos
Que já fomos azul no mesmo laço,
Na descorada cor da mesma boca,
No quente entrelaçar das mesmas coxas,
No abandono total das almas frouxas,
Na fome de mil beijos sempre pouca.
Não pode ser azul. Se for desejo,
Se for carinho e for também amor,
Poderá ser abraço ou ser um beijo,
Mas não será azul, pois não tem cor.

Tito Olívio
(Faro)

Fotografia de Carlos Rema

 

Não te escondas...

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Não te escondas atrás do sofrimento;
deixa raiar, em ti, o dia ainda tenro,
ainda imberbe, como sobre as pétalas da rosa
a luz do meu país ao Sul
desenha os espelhos onde a aurora se descreve.
Vem a terreiro da tua alma,
na oferenda mais sublime da amizade,
pois que a dádiva maior é sermos “nós-nos-outros”.
Por isso, é só por ti que, em mim, reparo nesta passagem pela vida;
tão sublime e breve.

Manuel Neto Dos Santos, em "Aurora Boreal ao Sul"
(Alcantarilha, 21 de laneiro de 1959)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Manuel Neto Dos Santos

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Nada mais tenho a resolver pela vida que o acto de existir;

dispo-me, por aqui, da casa, dos sonhos,

dos céus que vi mas não recordo

pois não os passei a ser... vi, por ver, tal como vivo

e, ao existir, aprendo, docilmente, a forma mais poética de morrer.

 

Manuel Neto Dos Santos

(Alcantarilha)

Meus Olhos

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Parti no Outono do meu desalento,
levei na bagagem o som dos meus ais
e a marca das dores, que são os sinais
que o tempo deixou na minha alma, em tormento.

Dormi, sem ninguém, a gemer ao relento,
olhando as estrelas, por entre olivais.
Comi as migalhas que comem pardais,
bebi o suor do Verão mais sedento.

Cheguei no Inverno. Encontrei tempestade.
Vi corpos caídos, num hino à saudade,
sucata de vidas por entre os escolhos.

Naquela algazarra de sonhos perdidos,
vi estrelas tombadas, sem luz nem sentidos,
e nesses destroços estavam meus olhos.

Glória Marreiros
(Monchique)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Vejam Bem

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Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar

E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua
e uma estátua de de febre a arder

Anda alguém
pela noite de breu à procura
e não há quem lhe queira valer
e não há quem lhe queira valer

Vejam bem
daquele homem a fraca figura
desbravando os caminhos do pão
desbravando os caminhos do pão

E se houver
uma praça de gente madura
ninguém vem levantá-lo do chão
ninguém vem levantá-lo do chão

Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem
quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar
 

 

Zeca Afonso

Fotografia de José Manuel Guerreiro
(Quarteira)

 

Este homem

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Este homem que pensou
com uma pedra na mão
tranformá-la num pão
tranformá-la num beijo

Este homem que parou
no meio da sua vida
e se sentiu mais leve
que a sua própria sombra

António Ramos Rosa
(Faro, 17 de outubro de 1924 – Lisboa, 23 de setembro de 2013)

Fotografia de Quarteira por Pedro Cabeçadas
(Faro)
 

Algarve colorido em aguarelas...

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Algarve colorido em aguarelas,
Ó costa em sangue e oiro e pedrarias!
Ó mar imenso donde, em certo dia,
Partiram, à conquista, as Caravelas!

Como, dentro de nós, alta, perdura
A influência com que tu atrais
A nossa Alma cheia de Aventura,
De Poesia, de Sonho, de Ideais!

O teu Céu, o teu Mar, a tua Cor,
Dão um calor de febre ao nosso Amor
Onde há uns restos de ciúme moiro...

João Braz, em "Esta Riqueza Que o Senhor Me Deu..."
(S. Brás de Alportel-13 de março de 1912 \ Portimão - 22 de junho de 1993)

Fotografia - praia da Estaquinha (que só existe de maré vazia), freguesia de Porches, concelho de Lagoa. (retirada do Google)

 

Poema de Amor

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Quero escrever-te um poema que

tenha um sentido claro como o
que os teus olhos me disseram.

Poderia ser um poema de amor,
tão breve como o instante em
que me deixaste ver os teus olhos.

Mas o que os olhos dizem não cabe
num poema, nem eu sei como se diz
o amor que só os olhos conhecem.

Nuno Júdice
(29 de abril de 1949, Mexilhoeira Grande)

Arte - Clara Andrade
(Portimão)

 

Sul

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Deixo na marcha a marca doce
Dum passo alegre por voltar
Na outra margem, sou feliz
Invoco a Terra, campo em flor
Um mau olhado por Lisboa
Rio da sorte e maus caminhos
Linha entre a dúvida e o desejo
Pão tão difícil
Incerteza, d´amanhã
Vou no vapor da madrugada
A minha estrada vai pró Sul
Dá-me um abraço d´encantar
Volto para o fundo dum olhar
Meiga paixão ao Sol do Estio
Rubra papoila fugidia
Encontro certo no trigal
Nada me prende, vou-me embora
Vou pró Sul...

Vitorino Salomé

Fotografia - Bruno Palma Fotografía

Depois de ti

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Depois de ti, é nada,
apenas vazio e fria madrugada,
primavera que não chegou a florir,
sorriso que se cansou de sorrir.
Poema de amor inacabado,
um livro que reli e foi fechado,
rio que secou e não chegou ao mar,
e saudade a morar no meu olhar…
Depois de ti,
não há mais tu e eu,
apenas as lembranças de outro tempo
que do tempo que foi, já se esqueceu.
Do passado , um amor emudecido,
que desejo esquecer e não consigo!
Amar uma outra vez ? Não poderia,
porque depois de ti,
fiquei só eu, e a minha poesia!

Alcina Viegas
(Tavira)

Fotografia de Isaura Almeida
(Faro)

 

Asas ao vento

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Voando
ao sabor do vento
viajo
no tempo
na memória
no sentimento
na história...
...
Abro
o leque da inspiração
descrevo
cada sensação...
por um momento
sinto
o mundo na mão...
solto
rimas ao vento,
dispo
cada sentimento,
transmito em verso
cada emoção...
...
Sem demagogia
brota
do coração
a minha
poesia!

Maria da Graça Dórdio Dimas, no livro "Luz do meu Silêncio"
(Olhão)

 

Se o corpo me pedir...

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Se o corpo me pedir um mar de pranto,
Por todos os que sofrem nesta vida,
Dos meus versos farei uma guarida
E vou chorar por eles noutro canto.

Por vezes, sou diabo, outras santo,
Perdidas folhas mortas na avenida.
Quem nunca foi amada nem querida
Comigo venha, cubra-se em meu manto.

Queria ser o sol em cada alma,
Jarrão da china com lilás e palma,
Pintar, da luz do céu, cada matiz,

Pois, dar de mim aos outros, foi meu lema
E fiz da dor alheia o meu poema
Pra ver ao pé de mim alguém feliz.

Tito Olívio
(Faro)

Fotografia de Laura Almeida Azevedo

Colho

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Colho placidamente o algodão e o sal do dia
na vazante despida e fria da manhã,

quando já não é dor, a dor de ontem
enquanto ainda não é dor, a dor de amanhã.

Miguel Afonso Andersen, em "O início das águas"
(Ferragudo\Portimão)

Fotografia do castelo de S. João do Arade - Ferragudo

Em busca

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Ponho os olhos em mim,como se olhasse um estranho,
E choro de me ver tão outro, tão mudado…
Sem desvendar a causa, o íntimo cuidado
Que sofro do meu mal — o mal de que provenho.

Já não sou aquele Eu do tempo que é passado,
Pastor das ilusões perdi o meu rebanho,
Não sei do meu amor, saúde não na tenho,
E a vida sem saúde é um sofrer dobrado.

A minh’alma rasgou-ma o trágico Desgosto
Nas silvas do abandono, à hora do sol-posto,
Quando o azul começa a diluir-se em astros…

E à beira do caminho, até lá muito longe,
Como um mendigo só, como um sombrio monge,
Anda o meu coração em busca dos seus rastros…

José Duro
(Nasceu em Portalegre e viveu entre 1876 e 1899)

Fotografia - Vítor Laranjeiro Photography
(Alentejo)

Gosto de chocolate

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Gosto de chocolate. Gosto de janelas e de varandas compridas viradas para a cidade. Gosto de luz, de sol, de esplanadas que conversam sobre a vida, de risos que vão dos lábios até aos olhos.

Gosto do silêncio que não tem vergonha de o ser. Gosto da música que me faz escrever, do ritmo que me faz dançar. Gosto das noites frescas que me entram pela casa, que me arejam o pensamento e que o fazem sentir-se livre.

Gosto de sentir. Sou de paixões, de impulsos, mesmo quando aparento estar serena. Gosto que as emoções me fervam na pele. Sou assim. Tenho o mundo dentro do peito, a necessidade na garganta e a urgência nos meus olhos.

Laura Almeida Azevedo
(Faro)
https://www.facebook.com/apetecesme?fref=ts
 

A Ponte

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Minha vida é uma ponte
Sobre o rio da Eternidade;
Por ela vim caminhando,
Tendo a esp´rança por defronte,
E por detrás a saudade.

Mas vai-se a esp´rança afastando
A cada passo que dou:
Fica a saudade chorando;
Só a dor, de quando em quando,
Vem ter comigo onde estou...

Olho o caminho deserto,
E tenho pena de mim.
Não sei se já estou perto
Ou se estou longe do fim...

Sei que me sinto cansado,
E só descanso procuro,
Sem saudades d passado
Nem esp´ranças no futuro.

Maldita ponte sombria
Que sem vontade atravesso!
-Para o fim, sem alegria,
Sem ventura no começo!

Quem me dera que soprasse
Agora, um vento bravio,
que, inteirinha, te arrastasse
comigo, e nos sepultasse
Bem lá no fundo do rio!

João Braz
(S. Brás de Alportel-13 de março de 1912 \ Portimão - 22 de junho de 1993)

Fotografia - ponte romana de Tavira por Leos Photos

 

Insónia Alentejana

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Pátria pequena, deixa-me dormir,
Um momento que seja,
No teu leito maior, térrea planura
Onde cabe o meu corpo e o meu tormento.
Nesta larga brancura
De restolhos, de cal e solidão,
E ao lado do sereno sofrimento
Dum sobreiro a sangrar,
Pode, talvez, um pobre coração
Bater e ao mesmo tempo descansar...

Miguel Torga

Fitografia - Alentejo por Bruno Palma

Gramática de coentro e cal

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Gramática de coentro e cal
geometria do branco e do verão
solidão como sinal
quase cigarra quase pão
em seu falar como um cantar de amigo.

Aqui acaba o último e o primeiro
e o um procura o outro seu igual
para dizer um nome entre azinheira e trigo.

Este é o chão mais puro e verdadeiro.

E as sombras sentam-se comigo
à sombra de um sobreiro.

Manuel Alegre, em "Alentejo e Ninguém", 1996

Arte - Ermida Alentejana por Pedro Buisel
 

Porque o povo diz verdades...

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Porque o povo diz verdades,

Tremem de medo os tiranos,
Pressentindo a derrocada
Da grande prisão sem grades
Onde há já milhares de anos
A razão vive enjaulada.

Vem perto o fim do capricho
Dessa nobreza postiça,
Irmã gémea da preguiça,
Mais asquerosa que o lixo.

Já o escravo se convence
A lutar por sua prol
Já sabe que lhe pertence
No mundo um lugar ao sol.

Do céu não se quer lembrar,
Já não se deixa roubar,
Por medo ao tal satanás,
Já não adora bonecos
Que, se os fazem em canecos,
Nem dão estrume capaz.

Mostra-lhe o saber moderno
Que levou a vida inteira
Preso àquela ratoeira
Que há entre o céu e o inferno.

António Aleixo, "Este Livro que Vos Deixo..."

 

Canção a Évora (Miguel Torga)

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Évora que não és minha
E que eu gostava de ter:
Moira cativa e rainha
Que não pude converter!

Não tenho nas minhas veias
Nem templo de Diana,
Nem a praça do Geraldo,
Nem a brancura redonda
Da água das tuas fontes...

Tenho montes,
Vinho maduro e granito,
E esta certeza de ser
Filho de Cristo Judas.

Ah! Se eu pudesse mudar,
Já que tu, moira, não mudas!...

Eugénio de Andrade, em "Alentejo não tem sombra" (Antologia de Poesia Moderna sobre o Alentejo, Edições ASA)

Fotografia de Évora por Isaura Almeida

 

O Meu Algarve...

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Natureza imortal, tu que soubeste dar
Ao meu país do sul a larga fantasia,
Que ensinaste aqui as almas a sonhar
Nessa frescura sã da crença e da alegria:
Que inundaste de azul e mergulhaste em oiro
Esta suave terra heróica dos amores,
Que lançaste sobre ela o canto imorredoiro
Que vibra a sinfonia oriental das cores:
Tu que mostraste aqui mais do que em toda a parte
O intenso poder do teu génio fecundo,
Que fizeste este Céu para inspirar a Arte
E lhe deste por isso o melhor sol do mundo:
Ensina algum pintor a fixar nas telas
Este brilho, esta cor, inéditos, diversos,
E põe a mesma luz que chove das estrelas
Na pena que debuxa estes humildes versos.

João Lúcio, "O Meu Algarve", 1905
(Olhão, 4 de Julho de 1880 - 26 de Outubro de 1918)

Fotografia retirada da página Portimão, Você Está Aqui

As gaivotas da manhã acordaram-me.

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As gaivotas da manhã acordaram-me. O canto
é delas ou foi recolhido
nas águas? Um raio de sol
atravessa o quarto e trepa hesitante
pela cama; deita-se connosco
como se fosse um gato. Estendo a árvore
flexível do corpo
e penso como é bom esquecer-me da idade
e dos outros e do mundo
que felizmente se esquece muitas vezes
de mim. Não sei de que lado estou se
me deitei
à direita ou à esquerda
da minha amiga. Agrada-me
o rumor dela
quando se aconchega ao meu corpo
sem ter ouvido ainda o piar das gaivotas
nem as patas perfumadas do sol
a nosso lado.

Casimiro de Brito
(Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

O meu Alentejo

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Meio-dia: O sol a prumo cai ardente,
Dourando tudo. Ondeiam nos trigais
D’ouro fulvo, de leve... docemente...
As papoilas sangrentas, sensuais...

Andam asas no ar; e raparigas,
Flores desabrochadas em canteiros,
Mostram por entre o ouro das espigas
Os perfis delicados e trigueiros...

Tudo é tranquilo, e casto, e sonhador...
Olhando esta paisagem que é uma tela
De Deus, eu penso então: Onde há pintor,

Onde há artista de saber profundo,
Que possa imaginar coisa mais bela,
Mais delicada e linda neste mundo?!

Florbela Espanca, em "Trocando olhares", 1915-1917
( Vila Viçosa, 8 de dezembro de 1894)

 

Imagem retirada do Google sem identificação de autor

Beja (Manuel Alegre)

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Outros terão talvez outro esplendor.
A cidade de Beja é mais discreta.
Sua beleza é interior
como de página secreta.

Em Beja não vereis o arrebique,
a sua escrita é mais sem ornamento.
Estética de recato, Poesia que
vem de dentro.

Onde outras serão excesso Beja é pouco
mais de sombra que sol é seu circuito.
Procurai no recanto e no reboco
vereis então que Beja é muito.

Eugénio de Andrade, em "Alentejo não tem sombra" (Antologia de Poesia Moderna sobre o Alentejo, Edições ASA)

Fotografia - Arco e muralha. Rua das portas de Beja, por Bruno Palma Fotografía

 

Ao sul

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A água tomou conta de tudo à minha volta. Chove dentro e fora da janela, chove dentro dos meus braços impedindo-me de voar. Boiando pela casa, barcos destroçados de velas rotas, deixam entrar a dor de não ter um mar. Quero libertar-me desta luz triste que se apega aos ossos, sentir o cheiro das flores de amendoeira nos quintais, mas os deuses não permitem que floresçam… ecos dum tempo que não vivi enchem-me a memória, tento aprisionar os melros que passam em fugidios voos para que pintem com o seu canto a casa em que alicerço o meu sonho… Semeio então na paisagem flamingos rosados, limícolas de bicos laboriosos, corvos marinhos de asas azuis e garças de colos altivos. Construo uma jangada de sonhos anilados e numa linha em V navego para o sul e para a luz neste fim de tarde onde mastros e flores se afogam nas águas…

Maria Jorgete Teixeira


Fotografia da Ria Formosa em Faro por Pedro Cabeçadas

Ei- la!

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Eu vejo, com real solenidade,
Surgir esplendorosa em grave assombro
Atrás da cumeada… como um ombro
Que um véu ainda cobrisse, mas metade.
Ei- la! A manhã raiando, sonolenta,
Compondo as vestes de vestal sombria.
Ei- la! Que chega; desfraldando o dia,
Espalhando, pelos campos, vestimenta.

Manuel Neto dos Santos
(Alcantarilha)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

A voz da guitarra

 

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Juntei-me à voz da guitarra
Por ser mais que verdadeira
Provei que eu própria era
Feita de sua madeira.

Viemos da mesma árvore
Talhadas do mesmo jeito
Guitarra tem as minhas formas
Eu tenho o seu próprio peito

Estão em mim as suas cordas
E até a mão de quem toca
É carne da minha carne
Falando da minha boca

Lídia Jorge
(18 de junho de 1946, Boliqueime)

 

Não posso adiar o amor

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Não posso adiar o amor para outro século
Não posso
Ainda que o grito sufoque na garganta
Ainda que o ódio estale e crepite e arda
Sob montanhas cinzentas
E montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
Que é uma arma de dois gumes
Amor e ódio

Não posso adiar
Ainda que a noite pese séculos sobre as costas
E a aurora indecisa demore
Não posso adiar para outro século a minha vida
Nem o meu amor
Nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

António Ramos Rosa, em "Não posso adiar o coração" (1974)
(Faro, 17 de outubro de 1924 – Lisboa, 23 de setembro de 2013)

Arte - José Maria Oliveira
(Faro)

 

Dançando com as barcas

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Agarro todos os sons libertos das marés
E rumo ao sul
Guiado pelo sol e pelo fado

Aceito o sopro de todos os ventos
Nas asas da minha nau
E do meu corpo embalado
Na liberdade das aves marinhas
Que são donas de todos os mares
E das atalaias
De todos os portos ancoradouros

Como se fossem sons de uma guitarra
Dedilho o cordame dos mastros
E com a música misturada no vento
Faço as voláteis manhãs
Como fazem as gaivotas
Dançando
Com as barcas
E as velas de lona

Desfaço as mágoas que trago como lastro
E assim resisto
Às rotas contrárias
Mutando os açoites das ventanias
No bronze salgado
Que me faz o rosto

Fernando Reis Luís
(Monchique)

Fotografia - Quarteira por José Manuel Guerreiro

 

Meu Algarve, cheio de luz

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Meu Algarve, cheio de luz,
és o sol que me ilumina,
uma estrela que reluz,
o amor que me domina.

És o meu sol branco e doirado
a tua luz me seduz,
paraíso inconquistado,
meu Algarve, minha luz.

és o sol que me ilumina,
minha flor, meu girassol,
a semente que germina,
meu Algarve, cheio de sol.

És a estrela a brilhar
a minha constelação,
um jardim à beira-mar,
a minha flor em botão.

Maria José Fraqueza
(Fuzeta - Faro)

Arte - Tavira por Carlos José Fonseca Martins, pintor, gravador, escultor, ceramista. Nasceu em Tavira em 1949

 

Se fores ao Alentejo

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Se fores ao Alentejo
não leves vinho nem pão:
leva o coração aberto,
e ao lado do coração
leva a rosa da justiça
e o teu filho pela mão.

Se fores ao Alentejo
não leves vinho nem pão:
leva o teu braço liberto
para abraçar teu irmão:
esse irmão que está tão perto
do teu aperto de mão
e que tão longe amanhece
nos campos da solidão.

Se fores ao Alentejo
não leves vinho nem pão:
leva a alegria de seres
irmão de quem vai parir
uma seara de trigo,
uma charneca a florir,
um rebanho e um abrigo,
e um amanhã que há-de vir
como se fosse outro amigo
dentro do sol, a sorrir.

Se fores ao Alentejo
não leves vinho nem pão:
leva o coração aberto
e o filho pela mão.

Eduardo Olímpio
(Alvalade do Sado - Alentejo)

Fotografia - Alentejo por Bruno Palma Fotografía

Aves do sul

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Somos as aves do Sul
Procurando um novo rumo
Saindo da nossa terra
Indo embora daqui
Acabamos por voltar
Um dia mais tarde
Por vezes tarde demais
Gastamos lá longe a vida
E não há duas vidas iguais

Belmira Besuga, em «Alentejo até aqui»

Arte - Mariana Valente
(Serpa)

 

As uvas

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Tu lembras as uvas, em cachos, maduras,
pendendo no muro pintado de antigo?
Passaram-se os anos, mas sinto um abrigo
na boca onde tive tamanhas doçuras.

O outono bordava, com tons e venturas,
o nosso refúgio sem porta ou postigo.
Abria-se o tempo se estava contigo
e o sol espreitava por entre molduras.

Chegaram os ventos, trouxeram granizo,
o muro tombou sem folhagem de aviso
e as silvas cobriram as vides, depois.

O inverno da vida tem dores e graças,
mostrando que as uvas são doces, em passas
e deixam sabor a saudade, nos dois.

 

Glória Marreiros

(Portimão)

A Gaivota

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Vou ao cais de vez em quando
Como quem inda acredita,
Mas perdendo quase a esperança
De alguma coisa mudar...
De gaivotas vejo um bando,
Vou escolher a mais bonita!
A ver se leva e não cansa,
Este meu sonho a voar.

Joaquim Sustelo
(Silves, 29 de julho de 1948)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Dobrar o cabo

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Dobrar o cabo e ficar suspenso
como quem se perdeu na rota.
Pela frente, um mar que não venço
atrás, o travo amargo da derrota.

Quarenta navios parados nestas águas,
quarenta velas rasgadas na tempestade,
quarenta barcas carregadas de mágoas,
quarenta milhas do tamanho desta idade.

Aos quarenta dobrar o cabo
da vida e amargamente ter
na boca a náusea que nos sabe
uma vida vivida sem a viver.

Quarenta viagens navegando
à descoberta do sonho mais puro,
quarenta flautas de pan tocando
as notas dissonantes do futuro.

Miguel Afonso Andersen, no livro "Circum-Navegações" (Raiz perturbada)
(Ferragudo\Portimão)

Fotografia de Ferragudo por Carlos F. Figueiras

 

Soberbo dia!

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Soberbo dia! Impunha-se respeito
Perante um mar de luz; da serra ao mar
E se deixei de ver pelo teu olhar
Para contemplar, pela alma, o espaço eleito...
De claridade mais perfeita, e intensa,
Que podem olhos ver noutro lugar;
Al- Gharb, terra amada, o berço e o lar
Ou campa rasa, sem ter deus ou crença.
Soberbo dia! Venerando, fico
Todo o redor desta beleza extrema...
E assim descrevo a luz mas num poema
Que exulto, que descrevo e santifico.

Manuel Neto Dos Santos, em "Do espanto que, pelas sombras, se equilibra à luz do dia claro, à noite obscura" (a publicar)
(Alcantarilha)
 
Arte - Pintura de Tavira por OLAVO CAVACO_Art
 

 

Ser doido-alegre, que maior ventura!

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Ser doido-alegre, que maior ventura!
Morrer vivendo p'ra além da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem na morte crê, que felicidade!

Encara, rindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo é só vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.

Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse doido tem
De ver no purgatório um paraíso...

Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
P'ra suportar melhor quem tem juízo.

António Aleixo, em "Este Livro que Vos Deixo..."
(Vila Real de Santo António, 18 de fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de novembro de 1949)

Desencontros de asas

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Pode o tempo
Rolar
Lentamente
Sobre as águas
Dispersando as asas das gaivotas
Na forma das rochas
Ficará
A linguagem da espuma
E os signos
Que fazem os voos
Encontros e desencontros
De palavras e asas

Fernando Reis Luís, em "Ipsis Verbis" (a publicar)

Fotografia - Capela de Nossa Senhora da Rocha - Lagoa - Algarve por Martyna Mazurek

 

Beijo

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Beijo na face
Pede-se e dá-se:
Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
Vá!

Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
Vá!

Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
Dá?
Teme que a tente?
É inocente...
Vá!

Guardo segredo,
Não tenha medo...
Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
Dê!

Como ele é doce!
Como ele trouxe,
Flor,
Paz a meu seio!
Saciar-me veio,
Amor!

Saciar-me? louco...
Um é tão pouco,
Flor!
Deixa, concede
Que eu mate a sede,
Amor!

Talvez te leve
O vento em breve,
Flor!
A vida foge,
A vida é hoje,
Amor!

Guardo segredo,
Não tenhas medo
Pois!
Um mais na face,
E a mais não passe!
Dois...

Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas...
Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
Três!

Três é a conta
Certinho, e justa...
Vês?
E que te custa?
Não sejas tonta!
Três!

Três, sim: não cuides
Que te desgraças:
Vês?
Três são as Graças,
Três as Virtudes;
Três.

As folhas santas
Que o lírio fecham,
Vês?
E não o deixam
Manchar, são... quantas?
Três!

João de Deus, em 'Campo de Flores'
(São Bartolomeu de Messines- 8 de março de 1830\ Lisboa -11 de janeiro 1896)

Sou culpado

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Confesso a minha culpa. Sou culpado.
Culpado de te amar perdidamente.
Culpado de esconder de toda a gente
Um grande amor nascido do pecado.

Nasci para sofrer. É o meu Fado.
Confesso a minha dor, sinceramente.
Confesso que desejo ardentemente
Beijar teu corpo fresco, perfumado.

Confesso saber bem que é proibido
Sentir na minha dor algum prazer,
Ter fé no teu amor que sei perdido;

Mas não posso deixar de te querer...
Confesso que não estou arrependido
E que penso pecar até morrer.

Tito Olívio
(Faro)

Fotografia de Laura Azevedo
(Faro)

 

Que fizeste do tempo?

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Que fizeste do tempo? Onde perdeste
A lembrança de tanto que lembrar?….
… A mágoa breve que te fez chorar,
Pequenas alegrias que tiveste,

As coisas que escutaste e que disseste,
Horas de tédio, esperanças que alcançar.
Segredos soluçantes ao luar,
Manhãs de sol!…os gestos que fizeste.

Que conta dás do tempo? À tua frente
O infinito e o medo pertinente
Do dia que há de vir. Atrás, perdida,

Toda uma vida que mal enche agora
Os sessenta minutos de uma hora
Nos sessenta segundos de uma vida….

Fernando Laginha Ramos
(Loulé, 21 de abril de 1918 \ Lisboa, 3 de novembro de 1974)

Fotografia de Isaura Almeida
(Faro)

Ao Sul. "Algar seco"

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O mar ressoa, como pelas mesquitas,
O vento, a voz das águas, a oração
Nesses versos de espuma, do Corão,
Para que eu sinta no peito a lassidão
De arcadas tão perfeitas, tão benditas.
O vento abranda e escuta, silencioso,
O murmurar em paz, como um devoto,
E as gaivotas ignoram rumo ignoto…
Vêm pousar nas escarpas, voo e gozo;
Sacerdotisas nesse branco, as penas
Cujo piar ecoa nostalgia…
Para que o sol, no azul por onde ardia,
Volte a brilhar, sagrando a melodia.
Sobre as águas em, breve, mais serenas

Pelas grutas, chora o mar um triste choro
Da moira que está presa num feitiço,
Que o amor lhe pôs, no peito, o reboliço
De amar moço cristão… e é, por isso,
Que o som do mar ao sul é um tesouro.
A noite cai, derrama pelas janelas
Os raios de prata, dos etéreos limos,
E somos nós, poetas, que fingimos…"


Manuel Neto Dos Santos
(Poeta, actor e declamador, tutor de língua portuguesa, nasceu em Alcantarilha (Silves) a 21 de Janeiro de 1959)

Fotografia - Algar Seco - Carvoeiro

 

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