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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Entrego-me à vida

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Lá onde as sombras se adensam
Escutei as vozes do silêncio
E deixei que as minhas quimeras
Desabrochassem tontas para a madrugada.

Tardei este anoitecer
Deixei que a minha alma aflita
Encostasse a sua face a esta noite morna
E pronunciasse palavras mansas.

Como é que eu posso escrever que não te amo
Se os meus dedos te possuem em sonhos
E por ti entornam poesia a toda a hora?

Rasga-me estes sonhos incertos
Que tropeçam constantemente na minha vida
Retalha-me estas agonias e lamentos
Que me passam pelos olhos

Alivia-me esta dor, amor! …

Esta dor muda, este tecer de murmúrios
E ansiedades amargas e doces
Esta sede invisível e estranha que me consome…

Esta paixão louca sem princípio nem fim
Que sem nada pedir, sem nada impor se colou a mim…

Telma Estêvão
(Silves)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)
 
 

Felicidade (poema acróstico)

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F az a vida valer a pena
E vive em harmonia
L uta pelo que acreditas
I nveste no momento... de cada dia
C ultiva sempre o otimismo
I dealiza para cada problema , solução
D eixa o Amor reinar sempre
A creditar é premente, em qualquer ocasião
D edica-te com paixão
E scuta a voz do coração
...

Maria da Graça Dórdio Dimas, no livro "Luz do meu Silêncio"
(Olhão)
 
Fotografia retirada di Google

 

Quadra

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Não digas que me não amas
A ver se tenho ciúme;
Os laços do amor são chamas,
E não se brinca com lume.

João de Deus
(São Bartolomeu de Messines- 8 de março de 1830\ Lisboa -11 de janeiro 1896)

Meu Futuro

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Vou pintar meu futuro de esperança
E pôr-lhe asas azuis, da cor do céu,
Para atingir o sol, se houver bonança,
Sem ninguém ver, oculto por um véu.

Será, porque assim quero, apenas meu,
Já que o passado foi, desde criança,
Luta minha, que a sorte pouco deu,
Mas passei a ter já mais confiança.

Quero beber a luz de cada aurora,
Chorar cada minuto de demora
Plas coisas que no tempo já perdi.

Não sei quanto me resta. Quero só,
Até ser finalmente outra vez pó,
Gozar tudo o que ainda não vivi.

Tito Olívio, em "Folhas Novas"
(Faro)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

A torpe sociedade onde nasci

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I
Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.
II
Que feliz eu era então e que alegria...
Que loucura a brincar, santo delírio!...
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p'ra o martírio!
III
Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz...
IV
E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!
V
Tuberculoso!... Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte...



António Aleixo, "Este Livro que Vos Deixo..."

Canta alentejano...

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Canta alentejano, canta,
o teu canto é oração,
tens a alma na garganta
solidão, ai não, ai não!

Solidão, ai não, ai não!
Quem canta, seu mal espanta.
O teu canto é oração:
canta, alentejano, canta!

Eu gosto muito de ouvir
cantar a quem aprendeu.
Houvera quem me ensinara,
Quem aprendia era eu!

Canto popular alentejano

Urbano Tavares Rodrigues

Fotografia - Serpa - cantadores, por Ricardo Zambujo

Balada do menino enganado

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Por que me deram, quando fui menino,
Tantas Quimeras para acreditar?
Por que teceram o meu destino
Com fios de Oiro e de Luar?

Por que me fizeram Rei dum reino de brinquedos
E me deram a ilusão
De poder segurar entre os meus dedos
Mundos feitos de bolas de sabão?

Por que puseram asas nos meus braços
Que rolaram o Sol p`lo Céu sem fim,
E floriram estradas para os passos
Que me levaram para além de mim?

Ai!, encheram-me os olhos da Poesia
Das noites estreladas!
Embebedaram-me de Alegria,
E sagraram-me herói de lindos contos de Fadas...

Aos meus ouvidos colaram
Búzios do Mar a cantar...
__E os meus ouvidos ficaram
Presos das falas do Mar...

Na boca das mulheres mostraram-me medronhos,
Fazendo-me pensar no gosto de mordê-los...
E, p`ra me adormecer, mandaram lindos Sonhos
Com os dedos da Noite a afagar-me os cabelos...

Por que me deram tudo nessa idade
Em que fui Rei dum Reino de Brinquedos
E julguei ter nas mãos a Felicidade
Só tendo bolas de sabão nos dedos ?

Por que quiseram enganar-me assim,
Se mais tarde, um mau destino
Havia de matar dentro de mim
Todos os meus encantos de menino?

Ai!,mais valera não ter tido nada
Lá nessa infância linda em que fui Rei,
Do que andar nesta vida amargurada
Buscando os sonhos que não mais achei!

Que, para viver sem saber
Aonde para a Ventura,
Bem melhor era morrer!...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Mas que posso eu fazer,
Se nem a vida me quer,
Nem a morte me procura?!...

João Braz
(S. Brás de Alportel-13 de março de 1912 \ Portimão - 22 de junho de 1993)

Fotografia de Pedro Cabeçadas - "por do sol na Ria Formosa"
(Faro)

Luz

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O dia inicia!
Sereno,
Intenso,
Inebriante...
me seduz!

Distante,
olho a linha do horizonte...
Entrego-me!
Sonho!...

Nos caminhos sinuosos
do sonho...
Procuro!

Vejo uma Luz,
aquela luz
onde moram os anjos!
Momentos luminosos,
Mágicos,
Sensacionais!
A Luz
que nos transforma
e nos torna especiais!
Aquela Luz
que abre o caminho,
um caminho
de possibilidades
e um universo
de oportunidades...
Aquela Luz
que transmite
que nuvens sombrias
só existem
em certos dias!...

É essa a Luz
que me conduz!

Mª da Graça Dimas, do livro "Pérolas do meu colar"
(Olhão)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

Notas pastoris...

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As notas pastoris, de uma longínqua flauta faz, deste meu olhar, de pã o parentesco; requebros do meu corpo de gesso, ou de arabesco e desta minha alma... A lírica argonauta.

As notas pastoris de um assobio pelos campos, pela erva que desponta por entre o pasto ainda põe, nesta alma ao sul, cadência da mais linda; meu reino de alfarrobas, de amêndoas, figos lampos.

As notas pastoris, tal como a tua voz dizendo- me “ bom dia” após a noite intensa... No pastoreio dos dedos que não fazem diferença dos rebanhos dos beijos trocados entre nós.
 

Manuel Neto dos Santos
(Alcantarilha)

Fotografia - postal ilustrado de um pastor Algarvio

 

Árvore

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Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-la
A árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses

António Ramos Rosa
(Faro, 17 de outubro de 1924 – Lisboa, 23 de setembro de 2013)

Fotografia - Azinheira por Bruno Palma
(Alentejo)

 

Poeta

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Trabalha agora na importação
e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias.
Podia ser um trabalhador
por conta própria,
um desses que preenche
cadernos de folha azul com
números
de deve e haver. De facto, o que
deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe
acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai
do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol
e exportar as nuvens.
Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas,
de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um
escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que
passa a caminho
da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu;
e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia
interrupção da morte.

Nuno Júdice

Praia

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Minha praia ardorosa e solitária
aberta ao grande vento e ao largo mar
tu me viste querer-lhe com a doce
piedade das sombras do luar

teus cabos se adiantam como braços
para abraçar as ninfas receosas
que fugindo oferecem sobre as vagas
suas nítidas formas amorosas

braços paralisados por desejo
que o mundo e sua lei não permitiu
ou suspendeu amor que livre jogo
maior que posse em fugaz tempo viu

e como vós me alongo e como tu
areia me ofereço a toda sorte
por sua liberdade ou por destino
que por só dela seja belo e forte.



Agostinho da Silva, em 'Poemas'

Fotografia - Praia da Marinha - Lagoa, por Euridice Cristo

Eu nasci no Alentejo

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Podes ter tudo o que queres
De certeza não te invejo
Eu sou pobre como Judas
Eu nasci no Alentejo.

Do que tu tens nada invejo
Do que sou não tive ajudas
Hoje passo, não saúdas
Eu nasci no Alentejo.

Olha que até o poejo
Cheira no rego à distância
Criados em abundância
Nascemos no Alentejo.

Crescendo no rego dos brejos
Sem do homem ter ajuda
Somos pobres como Judas
Nascemos no Alentejo.

Margarida Correia
 
Cartaz elaborado com imagens retiradas do Google
 

Sou saloia

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Sou saloia trago botas,
Também trago meias pretas,
Não me fales em namoro,
Não creio nas tuas tretas...

Sou saloia trago botas,
Também trago o meu mantéu,
Também tiro a carapuça
A quem me tira o chapéu...

Sou saloia trago botas,
Também trago o meu cordão,
E por medalha pendente
De ouro um bom coração.

(Mértola)
Cancioneiro Popular Português
Coligido por J. LEITE DE VASCONCELLOS.
Coordenado e com a introdução de Maria Arminda Zaluar Nunes.

Fotografia - "Mulher Alentejana" SAPOFOTOS
 

Em cada náufrago...

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Há em cada náufrago um Crusoé
com uma ilha carimbada no passaporte

nessa deriva de azul para Sul, que é
afinal a passagem nua e crua para Norte.

Eu náufrago naufragado de tudo me confesso
perdido neste azul tão profundo e sem fim,
sou um Robinson Crusoé virado pelo avesso
buscando, em cada Norte, um Sul dentro de mim.


Miguel Afonso Andersen,em “Canto Dúplice” (uma ilha azul, tão azul como as demais)
(Ferragudo - Portimão)

Fotografia de Nuno Caetano

 

Pão

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Minha mãe amassa a vida,
E a vida cabe-lhe inteira
Na farinha desmedida,
No infinito da peneira.

Minha mãe amassa o dia,
No alguidar, sobre o banco,
E do forno da alegria
O pão loiro sai tão branco.

Minha mãe amassa o ar,
Duma leveza infinita
Quando fica a levedar,
A massa inteira levita.

Minha mãe amassa as flores,
As que no campo se dão
E há mil cheiros, mil sabores
Numa fatia de pão.

Minha mãe amassa e diz
Pra dentro do coração,
Que só pode ser feliz
Quando os outros também são.

Minha mãe amassa o verde
Duma seara de trigo
Vais matar-me fome e sede,
Alentejo, eu te bendigo!”


António Simões
(Naturalidade: Beringel, concelho e distrito de Beja
Nasceu a 29 de novembro de 1934. Licenciou-se, pela Universidade de Coimbra, em Filologia Germânica.)

 

Maior que o mar

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Não sabes, meu amor, que, em cada gota d’água,
Pôs Deus um horizonte enorme, pra sondar:
Uma lágrima até, nascida duma mágoa

Quem sabe se será muito maior que o Mar

João Lúcio
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)

Fotografia - Praia de Cabanas de Tavira por Isaura Almeida

 

O Beijo mata o desejo

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MOTE
«Não te beijo e tenho ensejo
Para um beijo te roubar;
O beijo mata o desejo
E eu quero-te desejar.»

GLOSAS
Porque te amo de verdade,
'stou louco por dar-te um beijo,
Mas contra a tua vontade
Não te beijo e tenho ensejo.

Sabendo que deves ter
Milhões deles p'ra me dar,
Teria que enlouquecer
Para um beijo te roubar.

E como em teus lábios puros,
Guardas tudo quanto almejo,
Doutros desejos futuros
O beijo mata o desejo.

Roubando um, mil te daria;
O que não posso é jurar
Que não te aborreceria,
E eu quero-te desejar!



António Aleixo, em "Este Livro que Vos Deixo..."
(Vila Real de Santo António, 18 de fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de novembro de 1949)

Para um amigo

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Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

António Ramos Rosa, em "Viagem Através de uma Nebulosa"
(Faro, 17 de outubro de 1924 – Lisboa, 23 de setembro de 2013)

Fotografia - Faro, por Pedro Cabeçadas

 

Aleluia

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Se cantas, nasce o dia;
A luz segreda à flor: Ave, Maria!

Tudo é silêncio, espanto,
Quando vaga no Azul o teu encanto...

Passas e deixas no ar
O perfume das rosas de toucar!

Creio em ti, como em Deus;
Viver à tua luz é estar nos Céus!

Verdes enleios de hera
Cingem de amor teu vulto, ó Primavera!

Nos perdidos caminhos,
Voam gorjeios, músicas dos ninhos...

A Terra em névoas de ouro
Ascende a Deus em teu olhar de choro!

Senhora da Harmonia,
Em ti a minha vida principia!

Se voas pela Altura,
Gravas no Azul a tua formosura!

Teu voo é um longo adeus:
O caminho das almas para os Céus...

Longe, saudosa, adejas,
E pairas sobre mim... bendita sejas!


Mário Beirão, em "Antologia Poética"
(Beja -1890 \1965)

Fotografia -
Ricardo Zambujo Photography

Luz da manhã

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Luz da manhã
Vestindo o horizonte.
Véu transparente sobre o rosto
E o dorso das encostas;
A aragem vem do mar
Domar a forma dos meus olhos.
Ó meu olhar boquiaberto de espanto
E de fascínio;
Farrapos da noite sobre o azul
Ao longe, ao fundo.
Surge o dia, assinala-se o escuro,
Em seu declínio.
O timbre da saudade do meu país ao Sul…
Reflexos da luz do sol
Sobre a cal;
A minha alma é uma açoteia aberta
Ao mar de estrelas
Infinito como abóbada
Meridional …

Manuel Neto dos Santos, do livro "Sulino"
(Alcantarilha)

Fotografia - Praia da Marinha, em Lagoa por Vitor Pina - Photography

 

Balanço

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Poemas, versos, papéis,
escritos com vário humor,
afinal nada valeis,
falta-vos sumo, sabor,
embora cheirando a vida,
embora cheirando a dor.

Por que é que vos fiz e faço,
e vos guardo e estremeço,
se sois sinais de um fracasso,
se não passais de um esboço
do que quis ser, mas não posso?

Poemas, versos, papéis,
escritos para mim mesmo,
porque só para mim mesmo
alguma coisa valeis.

Pedaços esfarrapados
de sonhos inconfessados
de uma ambição que não chega
a ter forma de ambição.

Versos perdidos, dispersos,
só de mim, p'ra mim valeis.
Só para mim vós sois versos;
por isso, não vos mostreis,
que para os mais sois papéis.

Joaquim Magalhães em “Pretérito Imperfeito”
(Porto a 3 de maio de 1909\Faro, 16 de outubro de 1999)

Margem Esquerda

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Ó Alentejo dos pobres
Reino da desolação
Não sirvas quem te despreza
É tua a tua Nação

Não vás a terras alheias
Lançar sementes de morte
É na terra do teu pão
Que se joga a tua sorte

Terra sangrenta de Serpa
Terra morena de Moura
Vilas de angústia em botão
Dor cerrada em Baleisão

Ó margem esquerda do Verão
Mais quente de Portugal
Margem esquerda deste amor
Feito de fome e de sal

A foice dos teus ceifeiros
Trago no peito gravada
ó minha terra vermelha
Como bandeira sonhada


Urbano Tavares Rodrigues

Fotografia - Alentejo por Bruno Palma

 

Quadras

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Nem o perfume dos cravos,
Nem a cor das violetas,
Nem o brilho das estrelas,
Nem o sonhar dos poetas,

Pode igualar a beleza
Da primorosa flor,
Que abre na tua boca
O teu riso encantador.

Florbela Espanca, "Quadras"
(Vila Viçosa, 8 de Dezembro de 1894)

Da minha janela virada pró mar

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Nasce o dia sobre o mar
Amanhece o sol em mim
A profunda alegria do olhar
Inunda a minha alma num sem fim

Intenso é o pulsar do meu sentir
Serena a imensidão do mar
Solto o coração e a sorrir
Surpreendo-me num doce embalar

Da minha janela virada pró mar
Envolve-se a areia num breve beijar
As rochas escarpadas suspiram em ais
Salpicos de espuma desenham espirais

E o meu coração
Pequeno demais
Transborda de sonhos
Agora reais
Feitos de vontades
Com ocultos sinais
Marcando caminhos
Em pegadas de sal
Pondo a descoberto
A paisagem que vejo
Da minha janela virada pró mar

Celíssia Pinguinha
(Loulé, 17/01/1959)

Arte - Carvoeiro\Algarve por Olavo Cavaco

 

Como Brel

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Como Brel
cavaleiro da canção
de voz magoada e terna
marinheiro
da insubmissão

montarei
o meu Rocinante
vago e velho veleiro
de cavername sofrido
velame gasto, puído

e

zarparei
por esse Sul adiante
na viagem dos presságios
marcada no calendário pacífico
de todos os naufrágios.

(C'est le dernier temps
d'une valse a deux temps)


Miguel Afonso Andersen, em "Canto Dúplice"

Fotografia do Algar Seco (Algarve) retirada do Google

 

Castelo de Beja

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Castelo de Beja,
No plaino sem fim;
Já morto que eu seja,
Lembra-te de mim!

Castelo de Beja,
De nuvens toucado;
A luz que te beija
É sol do Passado!

Castelo de Beja,
Espiando o inimigo;
Te veja ou não veja,
Sempre estou contigo!

Castelo de Beja,
Feito de epopeias;
Um sonho flameja,
Nas tuas ameias!

Castelo de Beja,
Subindo, lá vais...
Tu fazes inveja
Às águias reais!

Castelo de Beja,
Lembra-te de mim:
Saudade que adeja,
No plaino sem fim...



Mário Beirão
(Beja -1890 \1965)

Fotografia do Castelo de Beja retirada do Google

Mulheres Algarvias

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Mulher do Algarve, na alma um tesouro
Que tens na poesia, o doce mar
Na tua história um nobre pelouro
De heroína que sabe o que é lutar!

Que traz em suas veias sangue mouro
A branca espuma, seu véu de noivar..
De cabelos dourados, a raios de ouro
Que o sol brilhante fez iluminar!

Sua pele morena o astro bronzeia
Corpo esbelto de musa ou de sereia
Em ondas de ternura geram saudade

Mulheres algarvias tão queridas
Louvarei neste poema vossas vidas
Na profissão, no lar Mães de Verdade!

Maria José Fraqueza
(Fuzeta - Faro)

Ilustração- Alte - ALgarve

 

Saudades

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Saudades vivas da terra;
Desses chuviscos primeiros
A libertar, dos nateiros,
Perfume que me descerra
Memórias de antes, de antanho,
Da meninice tristonha.
Saudade! Saudade! Sonha
Pelo feitiço mais estranho;
Feitiço que, de nascença,
Faz da tristeza a alegria.
Saudades em demasia…
Todas, da alma a pertença.

Tenho, às vezes, saudades do futuro
Lá onde vou e, regressando, fico
Preso na liberdade; bem mais rico
Da saudade que tenho… mas procuro.
Procurei- te, saudade, estando aqui
Dentro de mim que, dois somos só um…
Onde eu acabo há, de ti, debrum
Onde eu começo… há debrum de ti.

Manuel Neto Dos Santos, do livro "O corpo como nudez"
(Alcantarilha)

Fotografia de Santa Bárbara de Nexe - Algarve, por Victor Gameiro

 

Arco-íris fraternal

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Da inocência à confiança
da claridade à fidelidade
do sonho à consciência
da beleza à bondade
da poesia ao amor
do amor à verdade
da solidão à harmonia
da angústia à liberdade
todas as cores uniste
num arco-íris fraternal

António Ramos Rosa, 2009
(Faro, 17 de outubro de 1924 – Lisboa, 23 de setembro de 2013)

Fotografia - Ludo por Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

A esta hora

 

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A esta hora branda d’amargura,
A esta hora triste em que o luar
Anda chorando, Ó minha desventura
Onde estás tu? Onde anda o teu olhar?

A noite é calma e triste… a murmurar
Anda o vento, de leve, na doçura
Ideal do aveludado ar
Onde estrelas palpitam… Noite escura

Diz-me onde ele está o meu amor,
Onde o vosso luar o vai beijar,
Onde as vossas estrelas com fulgor

Do seu brilho de fogo o vão cobrir!
Diz-me onde ele está!… Talvez a olhar
A mesma noite linda a refulgir…

Florbela Espanca, em "Trocando olhares" -1916
(Vila Viçosa, a 8 de Dezembro de 1894)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Fotografia - Ermida de S.Gens ( Nossa Sra.Guadalupe-Serpa), por Bruno Palma

Primavera Alentejana

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Rompe a aurora, nasce o dia
iluminando o montado.
Como um hino à alegria
ouve-se balir o gado.

Roxo, verde e amarelo,
olho à volta é o que vejo.
Não há nada assim tão belo,
ó meu querido Alentejo.

Lindos campos verdejantes
matizados de papoilas,
já não são como eram antes
mondados pelas moçoilas.

Perfumados de poejo
os campos de solidão,
é assim o Alentejo
que trago no coração.

O melro canta no silvado,
o grilo no buraquinho,
e eu por ti apaixonado,
Alentejo, meu cantinho.

Hermínia Gaidão Costa

 

Fotografia - campo do Alentejo, por Bruno Palma

Poema de Amor

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O Céu, as linhas de luz na água,
caminhos diferentes para o coração.
A queda de sons diversos na atenta coincidência
dos ouvidos. A relação de uma límpida tarde
com um movimento de ombros junto do teu corpo,
na luminosa sequência da tua voz.
Um andar divino de transparente espectro
sobre o fundo de árvores;
o acentuar da impressão dos teus olhos
na quente atmosfera estagnada.
Mas o súbito levantar do vento dissipou
a primitiva aparência. Um canto lívido
de mortas recordações apenas subsistiu,
o indefinido desgosto dos teus braços,
o remorso de gestos incompletos
que a memória suspende.
Nem me espanto já com a tua proximidade.
Bem vindos, decompostos lábios!
O ranger da cama sobrepõe-se
ao ruído das cigarras.

Nuno Júdice, em "Poesia Reunida"
29 de abril de 1949, Mexilhoeira Grande

Fotografia de Pedro Cabeçadas

 

Viageiro

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Viageiro

é o que navega por um tempo sem idade
e livre se abre por inteiro
ao espanto, à festa e à novidade.

Eu navego por mares já cansados, a descobrir
a ilha que há por dentro da palavra solidão.
Comigo anda o choro das guitarras de Quibir
e a memória coroada desse tal Sebastião.

Arde-me no corpo o marejar das ondas, como um sino
tocando a náufragos pelas pregas da ansiedade,
Flor de la mar? ou o cruel sinal deste destino
de navegar e naufragar em cada tempestade?

Há um toque de fado corrido na dança dos meus passos
e muito limo, muito sal nas sílabas deste meu canto.
Trago as naus da índia afundadas nos meus braços
nesta viagem de muito Sepúlveda e pouco Infante.

Do Cabo de nós até Cochim, com Fernão Pinto,
de Ceuta de Arzila até ao cativo suspenso em Fez
há a marca do mar e das navegações no que sinto,
neste meu sentir simples e salgado de ser Português.


Miguel Afonso Andersen, em "Tríptico de Vozes"
(Ferragudo - Portimão)

Fotografia - Praia Grande de Ferragudo, retirada da página Portimão, Você Está Aqui

 

Oh Alentejo

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Oh lindo chão, seara louca ... em flor!
Ó mar loiro, nas ondas dos trigais;
de sonhos de poetas imortais ...
és sangue e pó, do humilde, lavrador.

Eu sempre te amarei, e com fervor ...
terra de camponese e maiorais.
Na sombra de montados e olivais,
- eu te rego chorando meu amor ...

Nos quentes remoínhos, do Suão
e no sol a escaldar o teu terrume,
se treme o manto d'oiro, no Verão ...

Alentejo que ao sol és brasa e lume ...
à noite és a cantiga solidão!
Nas vozes, que te embalam, num queixume!? ...


Manuel Lourenço Lopes Monteiro

Fotografia - Pôr do Sol nas Minas de S.Domingos-Alentejo por Bruno Palma

 

O Algarve que eu descobri

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Mas o Algarve que eu descobri maravilhada, aí em 1961, não é este de agora. Aí está: é um dos problemas graves do país, pensa-se que a cultura é só livros, teatros, cinemas, mas a cultura tem a ver com o dia-a-dia e o comportamento das pessoas. E a cultura, no quotidiano, foi destruída, como o Algarve foi destruído. O Algarve era uma maravilha. (...)
Bem, no Algarve, em relação ao Norte, não há aquele cheiro a maresia, a iodo. Mas o Algarve tem para mim a grande vantagem do calor, dos dias quentes, de que gosto muito. E ainda me lembro das grutas da Praia de D. Ana onde se ia de barquinho a remos, sem barulho, sem cheiro a gasolina, chegava-se lá e estavam desertas, («o esplendor pairava solene sobre o mar»), das cidades calmas e maravilhosas. Lagos era uma cidade meticulosamente limpa, cheia de gente honesta.
Passei vários Verões numa casa em que tinha só um fogareiro e um fogão de dois bicos, não tinha sequer esquentador. Havia um depósito no telhado em que a água ficava morna e era suficiente. Não tinha frigorífico, havia só uma geleira e um homem que vinha todos os dias, de carroça, trazer gelo.
Muitas vezes eu ia a Lagos a pé, às compras. Outras vezes ia a empregada. Um dia ensinei-lhe o caminho e o que havia de comprar, etc., para ela fazer o que eu tinha feito sozinha na véspera. Depois de lhe dizer tudo isso apercebi-me que aquilo era uma espécie de poema e escrevi mais ou menos o que lhe tinha dito. Chamei-lhe «Caminho da Manhã»

Sophia de Mello Breyner Andresen

Porto sem ter mar

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A minha serra cheira a rosmaninho
E tem o doce aroma do medronho.
Nos dias que lá vou, sempre deponho
Os olhos no lugar que foi meu ninho.

A rosa mais silvestre esconde o espinho,
Temendo ver meu rosto mais tristonho.
Aquela terra é hoje um novo sonho,
Com tojos transformados em arminho.

Guarda as minhas memórias, desacatos,
As rendas dos vestidos, os retratos
E as brincadeiras todas, numa dança.

A minha serra é porto sem ter mar,
Onde ancoro os meus anos, com pesar
De nunca mais voltar a ser criança.

Glória Marreiros
(Portimão)

Fotografia da Serra de Monchique - Algarve

Chamava-se Catarina...

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Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram em vida
Baleizão a viu morrer
Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou
Acalma o furor campina
Que o teu pranto não findou
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem a m...atou
Aquela pomba tão branca
Todos a querem p'ra si
Ó Alentejo queimado
Ninguém se lembra de ti
Aquela andorinha negra
Bate as asas p'ra voar
Ó Alentejo esquecido
Inda um dia hás-de cantar.

Zeca Afonso

Arte - Mariana Valente
(Serpa)

 

Poente...

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Eis aqui à nossa mão o poente
onde a terra se alonga e se conforma
na costura do mar e o vento
é a crença do Infante dando forma
ao desejo de partir e navegar.

Gare marítima do adeus sem regresso
porque partir, mar, vir e amar
são rimas, irmãs gémeas desse verso.

Sacro promontório onde suspendi
o ferro da língua na tua boca entreaberta,
ninfa, nereide deste mar, eis me aqui
para no teu corpo iniciar a descoberta.

E se nas salsas ondas do meu rosto
vires, furtiva, rolar uma gota de sal
não a tomes por lágrima de desgosto
(fruto que não se colhe nesta idade)
é apenas o clarão, é apenas o sinal
de que aqui se cumpriu a felicidade.


Miguel Afonso Andersen, no livro "Circum-Navegações" (Raiz perturbada ou a navegação do amor)
(Ferragudo - Portimão)

Fotografia de Sagres retirada do Google

 

Eu vejo...

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Eu vejo os sons
E vejo as cores;
Da crista das ondas até ao bojo
Das fossas abissais.
Uma corda de luz que, à uma,
Une as duas.
O ontem e o hoje
O verso e o silêncio
De uma demora em ter tudo o que não
Quero mais


Manuel Neto Dos Santos, "Dorsos de Luz de Águas mais Profundas" . 59 Poemas ígneos
(Alcantarilha)

Fotografia de Isaura Almeida
(Faro)

 

Poema imperfeito…

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Este frio
Este desassossego
Divergindo lento como um rio
Este destino que se prende cego
Nas mãos silenciosas e sem brio.

Esta confusão, esta devastação
Este arrepio sem limite
Que abraça o coração com agitação…

Este alvoroço
Esta inquietação
Que se entranha no peito… receoso
Este ânimo sem palavras, sem opinião…

Este corpo sem tempero
Esta saudade, esta mágoa a toda a hora batendo
Este entristecimento único, mero

Este meu olhar distraído e vago
Este sentimento louco, doido
Que me faz dobrar, vergar o corpo!

Esta névoa trazida pelo vento
Esta sombra com rosto
Esta colossal espiral de dor na mente
Este sonho vestido de roxo…!

Um poema imperfeito
E alguns dissabores
Alcançam o anoitecer …

Fecho os olhos como tendo dores
Um tremor sobre mim se debruçou
No corpo, na alma a solidão pousou…

Telma Estêvão
(Silves)

Fotografia de Isaura Almeida
(Faro)

 

Salir

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Salir vila serrana
cheia de amor e tradição
é a vila mais portuguesa
que eu trago no coração
Quem visitar Salir
não se vai arrepender
tem gente de bom coração
e muita coisa para oferecer
Tem a festa da espiga
tem a festa medieval
tem a festa de agosto
como estas não há igual
Salir tem o castelo
e a igreja matriz
vale a pena visitar
é o que toda a gente diz
Salir tem a festa de S. Luís
e gente com determinação
gente hospitaleira
e o presidente Deodato João
Salir tem a rocha da pena
com uma vista espetacular
quem vai visitar salir
tem sempre de lá voltar

Conceição Martins
(Salir - Algarve)

Fotografia da vila de Salir

A Cegonha (Canção alentejana )

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O meu bem a sério
Inda não nasceu
Deus queira que nasça
Deus queira que nasça
P'ró amar sou eu.

Lá vem a cegonha
No bico um raminho
De meia encarnada
Vem dando à chegada
Ao seu velho ninho.

Ao seu velho ninho
Ponha os ovos ponha
Que seja bem-vinda
Branquinha tão linda
Lá vem a cegonha.

Senhora cegonha
Como tem passado?
Não há quem a veja
A ir à Igreja
Pousar no telhado.

Quando chega o Outono
Há uma que canta
Anuncia a hora
Que se vai embora
Leva meia branca.

Folclore musical do Baixo-Alentejo

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Parte-se o queijo e o pão

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Na infância do Além-Tejo
Revejo a paz e a serenidade
Da minha alma espargida
Por entre os campos de palha seca,
Os riachos quase sem água,
Que a seca traz no Solstício de Verão.

As fontes também secaram!
Mas..., as palavras…
As palavras sempre surgem para dizer
Essa maravilhosa Natureza de tranquilidade.

Tudo está parado e move-se, ao mesmo tempo,
No mesmo lugar.
As cabras regressam das extensas pastagens,
Nutridas, à sua habitação imutável.
Chocalham de satisfação. Quase que sorriem!
Mais um fim de dia.
O Sol ainda vai alto pela indelével fresca
Do final da tarde.

Parte-se o queijo e o pão.
Recolhe-se o leite que conforta o peito
No termo de mais uma jorna.
O calor intenso lançou os corpos amortecidos
Nas medas de feno para a sesta habitual
De recuperação de novas energias.

Nas horas altas da noite
Sento-me por debaixo do céu estrelado,
Tão claro..., tão... transparente!
As estrelas são-me cada vez mais próximas
Com a sua luz límpida e suave.
Brilham nos meus olhos negros,
Que, por momentos, co-habitam o Infinito.


Isabel Rosete

Fotografia "pão alentejano" retirada do Google

 

Bom dia

 

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Saúdo
o dia!...
A orquestra
inicia!
Embalo
a alma
nos misteriosos
sons
de uma sinfonia...
...
Apresso-me
procuro
o meu livro...
lápis
e borracha na mão,
desenho letras
construo palavras
com emoção...
Nascem versos!
...
Paro
Reflito
Insisto...
a inspiração
prossegue...
Entrego-me!
Abro o coração
e voando
ao sabor do vento
prossigo...
...
Volto atrás
mudo rimas
altero versos...
Aprimoro
sentimentos
Aguço
os toques...
...
Palavras
entendidas
ou não...
incompreensíveis
sentidas...
...
São versos
ilimitados
no tempo!...
...
A orquestra
parou de tocar!
A sinfonia inacabada
essa...
irá
continuar!

Mª da Graça Dimas
(Olhão)

Fotografia - Jorge Florêncio (Senhora da Rocha)

 

Passei o dia ouvindo o que o mar dizia

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Eu ontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.

Chorámos, rimos, cantámos.

Falou-me do seu destino,
Do seu fado...

Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando, e rindo,
Pôs-se a cantar
Um canto molhado e lindo.

O seu hálito perfuma,
E o seu perfume faz mal!

Deserto de aguas sem fim.

Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...

Ele afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste,
Mais doente, mais cansado...

Ao longe o Sol na agonia
De roxo as aguas tingia.

«Voz do mar, misteriosa;
Voz do amor e da verdade!
- Ó voz moribunda e doce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte...»


E os poetas a cantar
São ecos da voz do mar!

António Botto, em 'Canções' ,
(Abrantes, 17 de agosto de 1897 — Rio de Janeiro, 16 de março de 1959)

Fotografia - José Manuel Guerreiro
(Quarteira)

Se eu voltasse a nascer...

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Se eu voltasse a nascer, e
as minhas mãos me ensinassem o caminho
que vai do coração ao mundo, e
os meus olhos me abrissem o círculo
que o mar desenha no horizonte,
e o meu nariz respirasse a luz que a manhã
solta de dentro da névoa, e os meus lábios
pedissem o pão de estrelas que as aves
trocam entre si, e os meus passos me conduzissem
para onde ninguém precisa de voltar,
o tecido da minha vida seria transparente
como o vidro da janela que não abro,
o fio que vou puxando seria eterno
como os números que contam os dias de um deus,
a tesoura da noite ficaria na caixa
que não precisei de abrir. Se eu voltasse
a nascer, e as velas do sonho me envolvessem
com o linho do seu vento.


Nuno Júdice
(Mexilhoeira Grande, 29 de Abril de 1949)

 

Coração das coisas

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Ao coração das coisas,
ao jugo das cores da memória,
ao pequeno desvio da sombra no deserto,
ao amor que nos alimenta de morte, à morte
que morre connosco
opomos a infinita
constelação
dos nossos sentidos.

Casimiro de Brito, em "Jardins de Guerra"
(Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)

Fotogrfia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Verões

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Verões, que não regressam nunca mais,
Mas vivem no meu peito eternamente.
Memórias com sabor a brisa quente,
Que passam sem aviso nem sinais.

Verões de toscos carros, sem pedais,
Descendo nas encostas, velozmente,
Brinquedos do meu mano, que ainda sente
Ranger tábuas roubadas aos meus pais.

A sombra da figueira era a magia
Das sestas bem dormidas, porque o dia
Findava bem mais tarde do que é hoje.

Supero esta saudade aonde dói
A mágoa agreste e doce, que corrói
A vida, que hora a hora mais me foge.

Glória Marreiros
(Monchique)

Fotografia de Isaura Almeida
(Faro)

 

Vai tristeza

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Paira em ti uma infinita tristeza !…
Lutas, lutas… mas e ela não se vai…
Quedast’ assim …em palavras de beleza
Ai! Ai que essa tua alma te trai!
Sorri dos “nadas”...sorri da natureza!
Sorri que esta vida também é bela!
E olha…não mostres a tua fraqueza!
Olha para a chama “desta” acesa vela!...
És poesia, és tu e és amor!
De lágrimas meu rosto tu me encheste…
e de um mundo repleto de “mui” cor.
És poesia, solidão mas mundo em flor!...
As minhas vãs palavras tu já esqueceste!
Mas tu vais querer esquecer essa dor!

Margarida Tavares
(Faro)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

A vida que venha

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Vai por entre a gente
Minh`alma perdida,
E a fome que sente
É a fome da vida.

Que a vida não tenha
Senão mal e dor,
A vida que venha
E seja o que for!

Mais vale ser barco
P`ra raiva do mar,
Que à tona dum charco
Ser flor a boiar.

Mais vale ir ao fundo
Das negras funduras,
Que achar neste mundo
Só rotas seguras!

Me façam Jesus
Na dor e na Glória!
Dos braços da cruz
Me venha a vitória!

Qualquer minha empresa
Que eu veja falir,
Me mostre a beleza
De Alcácer-Quibir...

Que a todo o momento
Eu sinta o açoite
Do vento, em lamento
Nas trevas da noite!

Assim preparado
P`ra mal e p`ra bem,
Espero cansado
E a vida não vem...

Por isso, entre a gente,
Minh`alma perdida
Mais sofre, mais sente
A fome da vida!
Que a vida não tenha
Senão mal e dor,
A vida que venha
E seja o que for!

João Braz Machado (São Brás de Alportel, 13 de Março de 1912 - Portimão, 22 de Junho de 1993)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Como um mar sem praias

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Num amor grande como um mar sem praias,
Sem os teus beijos, minha pele é sobro.
Minha alma, de sal, já tem o dobro
Do mar que tem, nas ondas, suas aias.
Faço dos versos, rimas, as alfaias
Para dar à saudade um fim, pôr cobro
Ao pranto do meu rosto, tão salobro,
E vejo que, memória, me desmaias.
Ergue-te e anda, tu, fascínio ancião
Pela calda de espuma e madrepérola;
Sinto ainda nas mãos a dor de férula;
Palmatoada agreste em plena escola,
E roupa recebida, por esmola...
Mas fui rico, por ti, amor de então.


Manuel Neto Dos Santos
(Messines)
 
Fotografia - Senhora da Rocha por Jorge Florêncio

 

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