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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Planura Alentejana

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Vede agora a planura alentejana,
Duma argila vermelha,
Amassada em suor de trágicos ceifeiros.
Este barro, esta carne em sangue da paisagem
Parece gangrená-la a chaga do sol-posto,
Que fica sobre a linha escura do horizonte,
Por essa noite adiante.
Vagam através dela aparições curiosas
De mouros a cavalo;
E a sua manta regional, garrida,
Espalhando no ar as tintas inflamadas.
De longe a longe, um denegrido cume
Põe, em alto relevo, o drama das charnecas...


Teixeira de Pascoaes

Fotografia - Nuno Trindade Photography

 

Receita para fazer o azul

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Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo numa bacia bem limpa,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
 

Nuno Júdice
(29 de abril de 1949 . Mexilhoeira Grande)

Fotografia - Costa Vicentina por Eurídice Cristo

 

O Amor

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O amor, o melhor companheiro da morte,
tal como o sol é o melhor companheiro do mar.

E todos eles se encontram e discentram
para de novo regressarem à unidade perfeita
— sagrada, incansável, múltipla — da mãe,
do sexo da mulher.

Do começo de todos os mitos.

Do nascimento da arte e da ciência
e da sensibilidade tão extrema que tudo
— o mundo em volta —
a transforma no mais variado arco-íris.

Ou apenas vai iniciar-se,
terrível e cheia de bonomia.
O homem nasce, a mulher reproduz
e tudo em volta é um silêncio
que canta.

Casimiro de Brito, do livro "Dois corpos nus, despindo-se".

Fotografia - Diamantino Inácio
(Faro)

 

Serenidade és Minha

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Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humanidade das bocas.
Vem serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os lábios cheguem à altura dos beijos.
(...)
 

Raúl de Carvalho, em "Antologia de Poetas Alentejanos"

Fotografia de Bruno Palma (Alentejo)

 

Amoras vermelhas

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Amoras vermelhas crescem nas terras do Sul
(Wang Wei)

Nos silvedos à beira do valado;
Pascigo o olhar e vejo o meu amado
País dos beijos, sob um céu azul
Rubro-cerúleo na ilusão discreta
Que não sei se é dos beijos ou de amoras;
O vermelhão da boca, se demoras,
Teus lábios nos meus lábios de poeta.


Manuel Neto Dos Santos, em "Passionário" (a publicar)
(Alcantarilha)

 

Quisera ter asas

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Quisera ter asas para voar...
Ser pássaro alado,
A nuvem beijar
Quisera ter asas
para te encontrar
Noutra galáxia,
noutro lugar...
Quisera ter asas
para me libertar,
De amarras subtis,
que dilaceram a alma
Quisera ter asas...
Para quebrar o espaço limitado...
Quisera ser vento, folha solta e leve
Quisera ser neve...
Que se derrete...
Quisera ser luz
que nos reflete
Quisera ter asas...
Quisera ter tudo
que me complete!
Quisera... Quisera...
Quisera ter asas!...


Maria José Fraqueza
(Fuzeta - Faro)

 

Adeus

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Agora é mesmo adeus. Não posso mais
Com um amor que só me faz negaças.
Já chega de sofrer os vendavais
Do desespero letal com que me abraças.
Não quero que te rias dos meus ais
Nem roas os meus sonhos, como traças.
Há mais rosas em flor no meu caminho,
Beijos a abrir de amor ao meu carinho.

Tito Olívio, do livro "Folhas Novas"

Fotografia - Vítor Laranjeiro Photography

 

Na Asa do Sonho

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[...] sonhar é voar.

Sonhar, é aspirar um mundo mais perfeito:
É dilatar a alma em êxtase bendito:
É deixar o que é mau, banal ou imperfeito,
Para atingir o que é suave e infinito.
[...]

Pra os corações tu és um bálsamo astral,
Que vem amortecer a dor que os fere e cansa,
Pondo as constelações distantes do Ideal
Perto do largo voo quimérico da Esp’rança.
[...]

Como não ter a alma ao voo do Sonho presa,
Se esta província de oiro, embalada de espumas,
Nasceu dum lindo sonho audaz da Natureza,
Farta da cinza fria e húmida das brumas?!

Esta indolência enorme, este morno cansaço,
Que vem adormentar toda a nossa energia,
É o prazer do Sonho, a ânsia do Espaço,
Onde quer, entre os sóis, voar a Fantasia.

Voar para o país de eterna primavera,
Pra o país do Ideal, albente e singular,
Pra os campos azuis, onde o lírio da Quimera
Abre o corpete de oiro à neve do luar77
“Quem é que não sentiu, nas horas torturadas,
De mágoa aflitiva, ou desolado amor,
Soprar, do coração, as cinzas requeimadas,
A asa singular, que bate em seu redor?!
Quem não sentiu passar, junto à janela escura, –
Onde, a Tristeza, o trouxe, em dor a alma rasa,
Pra meditar, na sombra, a sua desventura, –
Balsamizante e leve, essa invisível asa?
 

João Lúcio, do livro "Na asa do sonho" (1913)
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)
 
Imagem - fotografia de João Lúcio editada pela página RUMO AO SUL

 

Há um tempo ...

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Há um tempo que o próprio tempo apaga
e, nele, toda, toda a memória se esvai
o fogo da paixão não arde, só afaga
como o planar da folha seca que cai.

No corpo, os sinos não tocam a rebate,
o imperioso deixou de ser urgente
e no peito, agora, já o coração bate
ao leve e lento ritmo de antigamente.

Do tempo passado apenas guardo
lembranças que o sonho me consente,
a paixão é chama onde já não ardo
e o futuro é este rumor do presente.


Miguel Afonso Andersen, em "Circum-Navegações" (Raiz perturbada ou a navegação do amor)
(Ferragudo\Portimão)

Fotografia - Euridice Cristo
(Olhão

 

Agosto

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No fim deste agosto, sem nuvens no ar,
Lembrei-me do tempo do figo maduro
Em ramos de infância, sorrindo ao futuro,
Nas noites bordadas com tons de luar.

Trepei a figueira, comi do manjar
Exposto na taça do sonho mais puro.
Sentei a boneca, comigo, no muro
De pedras caiadas p´lo meu despertar.

Silêncios falados trouxeram sentenças
Que tingem meu céu de saudades imensas
E néctares que inundam os meses de agosto.

Secou-se a figueira dos tempos antigos.
Há ramos sem folhas, que deixam os figos
Com rugas e secos, lembrando o meu rosto.

Glória Marreiros
(Monchique)
 
Imagem - postal algarvio

 

Boca

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Irrompe feito Verbo, o pensamento
Pela boca, e na graça de um sorriso
Descobre o nosso olhar um paraíso
Num fulgurante e rápido momento.

Da boca sai o cântico e o lamento;
As lindas rosas da manhã diviso
Na tua boca, e em beijos corporizo
O meu desejo rútilo e sangrento…

Folha revolta, arrebatada palma
Do vento impetuoso da paixão,
A teus pés, caindo-te a minha alma,

Arde em mim, Bem-Amada, a ânsia louca
(Para sentir melhor teu coração)
De colar ao teu seio a minha boca…

 


Cândido Guerreiro (Alte - 1871\1953)
(advogado, dramaturgo e poeta pós-simbolista)

 

Imagem - fotografia de Candido Guerreiro editada pela página RUMO AO SUL

A madrugada nasceu...

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A madrugada nasceu no meu olhar
que sereno agradeceu um outro dia
perfeito para amar.
Há girassóis brilhando de alegria
as nuvens refletem-se no mar
da minha cor, o verde esperança,
agradeço a um Deus, seja qual for
a graça de estar viva.
No ar há gargalhadas de criança,
sorrisos que são pétalas de flor,
amores que dão, novas vidas à vida
e uma doce lembrança realizada.
E antes, muito antes da madrugada,
sonhei que iria ter o teu amor.
Que mais eu posso querer!



Alcina Viegas
(Tavira)

Sou do Sul

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Sou do Sul, dum cantinho à beira-mar
Trago nas mãos as ondas uma a uma…
Dentro de mim o mar que se avoluma
No meu coração um lenço a acenar!

Sou do Algarve, das lendas belas
Da terra mais quente junto ao mar
Daqui donde partiram caravelas
Na rota constante do sonhar!

Eu sou do sul que cheira a maresia
Sou filha deste mar, do céu azul
Sou gaivota branca sobre a Ria…
Sou ave migratória rumo ao Sul!

Serei sempre do Mar eterna amante
Sou dum cantinho com o mar a seus pés
Vivo na aldeia branca onde um navegante
Se enfeitou com a graça das marés…

Nasci junto ao mar em terra sulina,
Que espreita dum mirante - o alto mar
O mar vive em mim e me domina
Na ânsia de partir e regressar!

Trago sempre o mar em ondulação
Dentro do meu peito que se agita…
Eu sou do Sul e o mar é meu irmão
Porque ele a toda a hora em mim palpita (...)

Maria José Fraqueza
(Fuzeta - Faro)

Fotografia - Lagos, por Jorge Manso

 

Miséria

 

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Era já noite cerrada,
Diz o filho: "Oh minha mãe,
Debaixo d'aquela arcada
Passava-se a noite bem!"

A cega, que todo o dia
Tinha levado a andar,
A tais palavras do guia
Sentiu-se reanimar.

Mas saltam dois cães de gado,
Que eram como dois leões:
Tinha-os à porta o morgado
Para o guardar dos ladrões.

Tornam os pobres à estrada,
E aonde haviam de ir dar?
Ao palácio da tapada
Onde el-rei ia caçar.

À ceguinha meia morta
Torna o filho: "Oh minha mãe,
Ali no vão de uma porta
Passava-se a noite bem!"

- Se os cães deixarem... (diz ela,
A triste n'um riso amargo),
Com efeito a sentinela:
- "Quem vem lá?... Passe de largo!"

Então ceguinha e filhinho,
Vendo a sua esperança vã,
Deitaram-se no caminho
Até romper a manhã!...


João de Deus
(Poeta e Pedagogo - São Bartolomeu de Messines- 8 de março de 1830\ Lisboa -11 de janeiro 1896)

 

Imagem - fotografia de João de Deus editada pela página RUMO AO SUL

Charneca em flor

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Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

.
Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

.
E nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E, já não sou, Amor, Sóror Saudade...

.
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

.
Florbela Espanca, em “Charneca em flor” (1931)
(Vila Viçosa, a 8 de Dezembro de 1894)

.
Fotografia - Alentejo, por Bruno Palma

Cante

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Nunca ouvi um alentejano cantar sozinho
com egoísmo de fonte.
Quando sente voos na garganta
desce ao caminho
da solidão do seu monte,
e canta
em coro com a família do vizinho.
Não me parece pois necessária
outra razão
– ou desejo
de arrancar o sol do chão –
para explicar
a reforma agrária
no Alentejo.
É apenas uma certa maneira de cantar.



José Gomes Ferreira (1900- 1985)

Palavras

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Palavras não ditas esquecem amores
E laços tecidos com algas do mar.
Só ficam lembranças daquele lugar
No eco da noite faminta de alvores.

Sucumbem no céu os reflexos das cores
Que doiram ocasos de tom singular.
Os sonhos tecidos na luz do luar
Parecem jardins suplicando mil flores.

Palavras de amor: coração que palpita
No peito onde a alma, com sede, se agita
Na chama do corpo que acende e não arde.

Se chegam na nuvem pesada e sombria,
Trazendo vislumbres da hora tardia,
Talvez o destino lhes diga que é tarde…

Glória Marreiros
(Monchique)

 

Fotografia - Carvoeiro por Vitor Pina

Na luz ...

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Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios

As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços

A praia é longa e lisa sob o vento
Saturada de espaço e maresia

E para trás de mim fica o murmúrio
Das ondas enroladas como búzios.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Fotografia - Alvor - Portimão, por Vitor Pina

 

Enlevo

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Porque esse olhar de sombra de temor
Se perde em mim, às horas do sol posto,
Quando é de âmbar translúcido o teu rosto,
E a tua alma desmaia como flor;

Porque essas mãos, ardidas de fervor,
Ampararam minha vida de desgosto,
Pobre que sou, Mulher, eu hei composto
Harmonias de prece em teu louvor!

Dei-te a minha alma para ti nascida,
Meus versos que são mais que a minha vida;
Por Deus, perdoa ao mísero mendigo!

Perdoa a quem, ansioso de outro mundo,
Implora à Morte o sono mais profundo,
Só pela graça de sonhar contigo!

Mário Beirão, em 'Antologia Poética'
(Beja -1890 \1965)

Fotografia de Beja por Ricardo Zambujo

— com Ricardo Zambujo.

 

Lagos

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Em Lagos em Agosto o sol cai a direito e há sítios onde até o chão é caiado. O sol é pesado e a luz leve.
Caminho no passeio rente ao muro mas não caibo na sombra. A sombra é uma fita estreita. Mergulho a mão na sombra como se
a mergulhasse na água.

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Arte Poética"

Fotografia - Lagos, por Isaura Almeida

Oh doce luz, oh lua!

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Oh doce luz, oh lua!
Que luz suave a tua,
E como se insinua
Em alma que flutua
De engano em desengano!
Oh criação sublime!
A tua luz reprime
As tentações do crime,
E à dor que nos oprime
Abres-lhe um oceano!

João de Deus (São Bartolomeu de Messines- 8 de março de 1830\ Lisboa -11 de janeiro 1896)

Fotografia - Ferragudo por Filipe Santos

O Meu Algarve

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Terra dos figueirais e das vinhas Formosas
Do luar novelesco, embriagante, albente,
Onde o Sol sensual cansa os nervos das rosas,
Numa volúpia de oiro intensa, absorvente…

João Lúcio, (O Meu Algarve, 1905)
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)

Minha Terra

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Minha Terra

És o sol do meu País,
inspiração e ardor,
és a cor e o matiz
da paleta do pintor.

És lenda de moura,
escrita de profeta,
és a mão que doura
queixume de poeta.

Tu és Algarve lindo!
Trazes em ti a beleza...
do romance jamais findo!

Areia, azul mar,
amendoeira em flor...
tu és o verbo amar!



Margarida A. Tavares
(Faro)

Alentejo

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Alentejo, Alentejo
Terra sagrada do pão
Eu hei-de ir ao Alentejo
Mesmo que seja no Verão
Ver o doirado do trigo
Na imensa solidão
Alentejo Alentejo
Terra sagrada do pão
(...)

Música Popular Alentejana

 

O Sol é que alegra o dia

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O Sol é que alegra o dia
Pela manhã quando nasce
Ai de nós o que seria
Se o Sol um dia faltasse

Ceifeira!
Ceifeira, linda ceifeira!
Eu hei de,
Eu hei de casar contigo!
Lá nos campos, secos campos
Lá nos campos, secos campos,
À calma
À calma a ceifar o trigo,
Pela força do calor!
Ceifeira!
Ceifeira, linda ceifeira
Ceifeira, linda ceifeira,
Hás de ser o meu amor!

Não é,
Não é a ceifa que mata,
Nem os calores do “V’rão”!
É a erva unha-gata,
É a erva unha-gata,
Mais o cardo beija-mão!

Música Popular Alentejana

Fotografia - Ceifeiras Alentejanas

Ser poeta, por um dia..

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Ser poeta, por um dia,
Isso sim, eu gostaria
Para te ensinar, a cantar.
Ser gaivota,
Ave de arribação,
Embeber-te de paixão
E nas asas te levar,
A um mar de fantasia.
No cheiro da maresia,
Quando a onda espreguiçar
Ao de leve, te beijar
Isso sim, eu gostaria
Ser poeta por um dia!

Ser poeta por um dia,
Isso sim eu gostaria.
Ser papagaio de papel
E levar-te num corcel
Salpicado de poesia,
Umas asas te faria
Para contigo voar
E o teu corpo desfrutar.
Nas nuvens te deitaria
Isso sim, eu gostaria
Ser poeta, por um dia!

Ser poeta, por um dia,
Isso sim, eu gostaria
De viver na ilusão.
Ser ave de arribação
Ou papagaio de papel.
Nesse mar de fantasia,
Quando a onda espreguiçar
No cheiro da maresia,
Nas asas, que te faria
Para contigo voar.
Nas nuvens te deitaria,
Uma paixão queimaria
Isso sim, eu gostaria
Ser poeta , por um dia!

Ser poeta, por um dia,
Isso sim, eu gostaria.
Ao despertar da aurora.
Sou um homem meio-cansado.
És guitarra do meu fado
Eu quero, cantar-te agora!
Isso sim, eu gostaria
Ser poeta por um dia!

Manuel do Rio
(Vila Real de Santo António, 3 de julho de 1937)

Fotografia - Jorge Florêncio

 

Porque nasci ao pé de quatro montes ...

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Porque nasci ao pé de quatro montes,
Por onde as águas passam a cantar
As canções dos moinhos e das pontes
Ensinarem-me as águas a falar…

Eu sei a vossa língua, água das fontes…
Podeis falar comigo, águas do mar…
E ouço à tarde, os longínquos horizontes,
Chorar uma saudade singular…

E porque entendo bem aquelas mágoas,
E compreendo os íntimos segredos
Da voz do mar ou do rochedo mudo,

Sinto-me irmão da luz, do ar, das águas,
Sinto-me irmão dos íngremes penedos,
Sinto que sou Deus, pois Deus é tudo…

Cândido Guerreiro (Alte - 1871\1953)
(advogado, dramaturgo e poeta pós-simbolista)
 
 
Fotografia de Candido Guerreiro retirada da NET
 

Pastora

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Linda jovem era pastora,
Andava a guardar seu gado.
E em vindo à tarde, à tardinha,
Cantava a jovem sozinha,
Pensando em seu bem amado!
Pensando em seu bem amado,
Não pensava em mais ninguém!
Em vindo tarde à tardinha,
Cantava a jovem sozinha
No Vale de Santarém!

Os alegres passarinhos
Já têm novo cantar,
Agradaram só de ouvir
Meu coração respirar
Agradaram só de ouvir
Meu coração respirar

Linda jovem era pastora,
Andava a guardar seu gado.
E em vindo à tarde, à tardinha,
Cantava a jovem sozinha,
Pensando em seu bem amado!


Música Popular Alentejana

Arte - Mariana Valente
(Serpa)

 

Solidão, aí dão, aí dão...

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Nesses campos solitários
Onde a desgraça me tem
Brado ninguém me responde
Olho não vejo ninguém

Solidão ai dão ai dão
Cá p’ra mim quer sim quer não
Vem a morte e leva a gente
Quem não há de ter paixão
Quem não há de ter paixão
Quem paixão não há de ter
Vem a morte leva a gente
Serei firme até morrer

Música Popular Alentejana

Fotografia - (Oliveira das Margalejas), por João P. Santos

 

Da Música

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A música derrama-se
no corpo terroso
da palavra. Inclina-se
no mundo em mutação
do poema.

A música traz na bagagem
a memória do sangue; o caminho
do sol: Lume e cume
de palavras polidas.

A música rompe um rio de lava
por si mesmo criado. Lágrima
endurecida
onde cabem o mar
e a morte.

Casimiro de Brito, "Canto Adolescente"
(Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)

Fotografia - Parque Ribeirinho em Faro, por Jorge Manso

 

O Sul dos meus Sonhos

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Junto a um muro derrubado a uma casa ruída
a velha amendoeira diz sim
à vida
e fica
de repente menina e noiva
O vento ri-se dela
arranca-lhe as pétalas:
"És uma velha louca de véu e grinalda!"
Para enxotar os insultos machistas do vento
acudo-lhe
com estes versos
E digo-lhe:
"Não ligues! É inveja!
Estás tão linda assim de noiva
Avozinha!"


Teresa Rita Lopes, "O Sul dos meus Sonhos"
(Faro, 1937)

Arte - "as amendoeiras" por Eleitão Eduardo

 

Azul p´ra céu e mar

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Primeiro, - azul. Azul p´ra céu e mar,
Em translúcidos tons. Azul cobalto...
A branco, um perfil de asa pelo ar,
Qual sonho nosso de subir mais alto.

Branco, também, nas açoteias
Das casinhas de vilas e aldeias,
E ao alto, em cada uma,
A chaminé de rendas trabalhadas
_ Filigrana sem par
Da mesma cor da espuma
Que o mar deixa, ao beijar
As areias doiradas...

Mais branco, ainda: _ são latinas velas
Que, rumo ao sonho, para o largo vão...
E, de branco e rosa, eis que surgem elas,
As amendoeiras _ mágica visão! ...

Mancha de bruma carregada, Sagres
Evoca a lenda, a aventura, o perigo;
E o verde esp´rança fala dos milagres
Da terra-mãe gerando o trigo.

Verde escuro, as figueiras carregadas;
Da cor do sangue, as rústicas papoilas;
E em oiro ardente
O tom contente
Do sol que brinca, nas estradas,
Com os olhos castanhos das moçoilas...

Oiro, mais oiro. E vermelhão, lilás,
Para dar este Algarve estranho e audaz
Que se espreguiça como um moiro ao sol,
Cantando, doce e mole,
Uma canção de amor!...



João Braz, em "Esta Riqueza Que o Senhor Me Deu..."
(S. Brás de Alportel -13 de março de 1912 \ Portimão - 22 de junho de 1993)

Arte - Albufeira, por José Armando de Lima Dâmaso

Alentejo...

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Trago na alma
todos os cantares
de um povo

campos silvestres
alindados de papoilas
e a alecrim
sementes de gratidão
e de respeito
despida de mim
Alentejo beijo-te o chão
.
teu corpo canta o amor
com notas ataviadas
de suor e lágrimas
dos oceanos
de searas onduladas
e dos campos
de cores mil
por outras
tantas mãos ceifados
.
teus mundos
de calma e (desas)sossego
acarretam nos olhos teus
segredos por decifrar
dos entardeceres pintados
de quietude e solidão
dos madrigais em flor
e noites de Lua cheia
.
tens promessas prometidas
na vastidão do teu sentir
e guardas na brisa de Suão
a esperança jamais esquecida
de um alvorecer brando e sereno
de todos os mundos
num só mundo
de planícies por desbravar
.
Alentejo minha terra
semente (e)ternamente
em mim germinando
.
terra cantada
terra encantada
das mouras
e princesas
dos castelos
ensolarados/enluarados
por teu Guadiana banhado
.
amor de todos os poetas
feitiço que retém
tu és Mãe
és soberano
és alento
e coração
força perdida
mas não vencida
espiga dourada
beijando o Sol
com que me abraças
beijando o Sol
com que me respiras
.
Alentejo minha alma
Alentejo meu amor
Alentejo terra sofrida!
.

Mariana Valente
(Serpa)

Fotografia - Moinho de Vento.Serpa-Alentejo, por Bruno Palma

 

Daqui vemos o mar ...

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Daqui vemos o mar e algumas ilhas
Dizes na carta que me vem de longe
E eu ouço distintamente eu ouço
A palavra distância
Eco do búzio que encontrei menino
Na praia da senhora da rocha
Lembras-te?
E depois perdi.

Claríssimo o teu corpo esguio
A tua boca larga e doce
Abraçando de súbito a paisagem.

Por entre as longas alamedas da infância
As ruas largas vou.
Estendidos os meus braços não te alcançam:
Tu tens nas mãos o búzio.


Torquato da Luz, em "Lucro Lírico"
(Alcantarilha, Silves, 1943 - Lisboa, 2013)

Fotografia- Praia Senhora da Rocha, por Jorge Florêncio

 

A lenda do palácio de Estoi

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As lendas sempre teciam,
Noutros tempos, noutras eras,
Histórias que entonteciam
O sorrir das primaveras.
Romances que as gerações
Doutras gerações traziam,
P’ra falar aos corações
E, assim, os entristeciam.

Eram tão tristes baladas,
Relatos de histórias lindas,
Que se contavam, choradas,
Por dias, noites infindas.
Se muitas a nós vieram,
Falando casos de amor,
Outras muitas se perderam,
Por falta de narrador.
É duma lenda esquecida
Que hoje vos venho falar;
Duma que nenhuma vida
Pôde com ela ficar.
Longo tempo andou perdida
Nas margens do esquecimento,
‘té que uma voz dolorida
Me a contou, por um momento.
* *
Foi por noite perfumada
Das rosas de algum jardim,
Que ouvi a voz torturada,
E a lenda dizia assim:
— “Em tempos que o tempo trouxe
Das mãos de Deus, poderosas,
Era a vida aqui tão doce
E os jardins eram de rosas.
“Os ribeiros, que os havia
Correndo por todo o lado,
Prestavam à luz do dia
Um encanto desusado.

“E, à noite, brilhavam mais
Que os astros cheios de luz,
Soltando suspiros e ais,
Na raiz de alguma cruz.
“Aqui, viviam as gentes
Tão cristãs e tão de siso,
Tão felizes, tão contentes,
Tal fosse no paraíso.
“E até os astros dos céus,
Vindos de além do infinito,
Deitavam seus lindos véus,
De luzes sobre o granito.

‘Era então a serrania
Sempre de verde florida,
Onde a cor e a luz bebia,
Mesmo a rosa e a margarida.

“Isto foi em hora antiga,
Porque depois... ah!... depois,
Veio uma gente inimiga
Que apagou todos os sóis.

“E de opróbrio revestiu
Os habitantes cristãos,
— Povo ilustre que serviu
Os moiros, por suas mãos —.
“Era a vergonha tamanha
E tão grande o seu sofrer,
Que fugiu, para a montanha,
O povo, p’ra não morrer.
“E os sarracenos, senhores
Da terra que emudeceram,
Pisando vergéis e flores,
De pronto se defenderam.
“Alto castelo se ergueu
Numa elevação propícia,
Mas.., por aviso do céu,
Nunca dele houve notícia...

“Que só a lenda me diz
Que ali, de facto, existiram
Muros que, desde a raiz,
Aos assaltos resistiram.

“Foram, por anos compridos,
Viveres tão margurados,
Que os pobres cristãos vencidos
Morriam, abandonados.
“té que um dia a luz mais alta
Do futuro despontou,
No tudo em que havia falta,
Na fé que a todos sobrou.
“Foi o caso que, por vezes,
Apesar de algum rebate,
Os valentes portugueses
Aos mouros davam combate.

“Eram ataques fortuitos,
Feitos repentinamente,
Donde colhiam os fruitos
De ceifar a moira gente.

“Foi a força enfraquecendo
Da moirama, em tempo breve,
De tal modo, que só vendo
As coisas que a pena escreve.

‘Foi, então, depois a vez,
Havido de Deus sinal,
Do forte Rei português
Dar o combate final.
“E os moiros, desbaratados,
Fugiram a bom fugir,
Indo morrer afogados
No mar, ao longe, a luzir.

“A lusa gente, após logo,
— Que mais podia fazê-lo? —
Passaram a ferro e fogo
As pedras desse castelo.
“Ali tudo foi desfeito
E tudo caiu por terra,
De modo que desse feito
Acabou p’ra sempre a guerra”.
Isto foi que disse a lenda
Naquela noite saudosa,
P’ra que mais assim me prenda
À terra de Estoi, famosa.
Mas a voz do entendimento,
Que veio de outros avós,
Mais me contou, num momento,
Que sucedeu logo após:

“Deus Allah que das esferas
Tudo viu e acompanhou,
P’ra todo o sempre das eras,
A lei fatal decretou:

“Hão-de passar muitos anos,
“Os séc’los hão-de correr,
“E nessa vida de enganos
“Muito irá acontecer.
“Mas de tudo o que virá
“De mal, por minha vontade,
“Muita fala se dirá
“Duma coisa, na verdade.

“É esta a minha sentença,
“Será este o meu castigo
“Que, por vós e por ofensa,
“Vai cair, povo inimigo:

“Sobre o castelo arruído,
‘Um majestoso e falado
“Palácio será erguido
“P’ra depois ficar fechado”,
E assim foi... ninguém esquece
De Allah o puro sentido,
Que o Palácio permanece,
Aqui perto, adormecido...
* *
Foi esta a lenda esquecida
Que as horas vieram contar,
F que irá p’r’além da vida,
Se ninguém quiser salvar
Esse Palácio de Estoi,
Prodígio de arquitectura,
Que em outro tempo assim foi
Traçado na pedra dura.


Fonte Biblio LOPES, Morais Algarve: as Moiras Encantadas s/l, Edição do Autor, 1995 , p.88-94

 

 

 

O gaio e o papagaio

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Não sei quem teve a ideia
de contar a um velho gaio
que outra ave papagueia
e se chama papagaio.

Disse o gaio: «Papa-quê?»
Disse o outro: «Papa-gaio!»
Disse o gaio: «Pois você
diga lá a esse bicho
que, se não muda de nome,
não me escapa, ainda o lixo;

que um gaio tem muita fome,
que sou um papão de um raio,
que este velho gaio o papa,
que sou papa-papagaio.»

Quando isto contaram a
um medroso papagaio,
gaguejou: «Eu... sou... pa... pa...»
e depois teve um desmaio.

Engasgou-se a rir, o gaio,
do desmaio do papagaio.
 

Leonel Neves
(Faro, 20 de junho de 1921 - Lagos, 6 de setembro de 1996)

Arte - Caetano Ramalho
(Portimão)

 

Canto XXII

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Como se cada uma destas palavras fosse afinal,
da despedida, uma vela de adeus desfraldada.

Um ritual. Um rasto. Um sinal.

O morse secreto da mensagem cifrada
de um tempo de aventura, de sonho. Da navegação
encetada na baía do teu sorriso mágico,
na sinfónica presença dos teus olhos. Da ilusão
breve do belo, do etéreo, do fantástico.

Como se cada uma destas palavras fosse enfim,
um cristal de lágrima, um pássaro de fogo. Uma viagem
de febre, de delírio, de frenesim
pela loucura do sonho impossível. A voragem
do desejo insaciado. Mil ousadias.

Tatuagem multicolor no teu corpo prematuro.
A memória, o reflexo, a senha e o rumor dos dias
passados, parados, sem presente e sem futuro.
 

Miguel Afonso Andersen, no livro "Circum-Navegações" (Raiz perturbada)

Fotografia - Quarteira por Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

A rua ...

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A rua era de terra e casas térreas
ladeavam-na, talvez desde os anos trinta
Para ali tinha sido transplantada
a minha infância, a linha

do comboio passava entre o largo e a ria,
de noite sobretudo parecia-me
ameaçador e imenso o largo, ao fim
da rua com janelas onde assomavam caras

conhecidas, na luz ténue que vinha
das esquinas; quartel e em outubro a feira,
à igreja adjacente um convento, nocturnos pios
de mochos emitido; no coro da igreja

quem leria para o lugar vazio? a alguém ouvia,
sem entender, correr a poesia
essa voz assustava como vinda
de sepulcro onde o eco a transformava;

e contava-me o som sublime quem o
escutara quando a igreja limpava


Gastão Cruz
(Nasceu em Faro, em 1941)

Fotografia de Pedro Cabeçadas (Ria Formosa vista do Largo de S. Francisco em Faro)