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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Meus amigos sou de vidro

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Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Encubro a luz que me habita
Não por ser feia ou bonita
Mas por ter assim nascido
Sou de vidro escurecido
Mas por ter assim nascido
Não me atinjam não me toquem
Meus amigos sou de vidro

Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
E um cinto de escuridão
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo
Meus amigos sou de vidro
Por isso não me maltratem
Não me quebrem não me partam
Sou de vidro escurecido

Tenho fumo por vestido
Mas por assim ter nascido
Não por ser feia ou bonita
Envolvida no que digo
Encubro a luz que me habita

Lídia Jorge
(Loulé, Boliqueime, 18 de junho de 1946)

Fotografia - Laura Almeida Azevedo
(Faro)

 

Liberdade

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Como se de asas se tratasse
invoco teu nome liberdade.

Procuro nos teus seios de lava
palavras nuas à beira da morte.

Âncoras de sol,
frutos indistintos que prometam
um porto com a forma do corpo.

Casimiro de Brito
(Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)

 

Rústica

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Eu q′ria ser camponesa;
Ir esperar-te à tardinha
Quando é doce a Natureza
No silêncio da devesa,
E só voltar à noitinha...

Levar o cântaro à fonte
Deixá-lo devagarinho,
E correndo pela ponte
Que fica detrás do monte
Ir encontrar-te sozinho...

E depois quando o luar
Andasse pelas estradas,
D′olhos cheios do teu olhar
Eu voltaria a sonhar,
P′los caminhos de mãos dadas

E depois se toda a gente
Perguntasse: "Que encarnada,
Rapariga! Estás doente?"
Eu diria: "É do poente,
Que assim me fez encarnada!"

E fitando ao longe a ponte,
Com meu olhar cheio do teu,
Diria a sorrir pro monte:
"O cant′ro ficou na fonte
Mas os beijos trouxe-os eu... .

Florbela Espanca, em "O Livro D′Ele", 1915-1917
(Vila Viçosa, a 8 de Dezembro de 1894)

Fotografia - Alentejana (Sapo fotos)

Amar as palavras

 

Amar as palavras
é inventar o vento
através da noite
em pleno dia

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Se desapareço
grão por entre grãos
é porque deus adormece
como um astro imóvel
polvilhado de pólen

Onde estiver serei
o sono do amor
num claro jardim
e como se estivesse morto
as ervas hão de romper
das minhas unhas verdes
e a minha boca terá
a ébria frescura
da plenitude do espaço

António Ramos Rosa, em "Numa Folha"
(Faro, 17 de outubro de 1924 – Lisboa, 23 de setembro de 2013)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Noite de sonhos voada

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Noite de sonhos voada
cingida por músculos de aço,
profunda distância rouca
da palavra estrangulada
pela boca armodaçada
noutra boca,
ondas do ondear revolto
das ondas do corpo dela
tão dominado e tão solto
tão vencedor, tão vencido
e tão rebelde ao breve espaço
consentido
nesta angústia renovada
de encerrar
fechar
esmagar
o reluzir de uma estrela
num abraço
e a ternura deslumbrada
a doce, funda alegria
noite de sonhos voada
que pelos seus olhos sorria
ao romper de madrugada:
— Ó meu amor, já é dia!...

Manuel da Fonseca, em "Poemas Dispersos"
(Santiago do Cacém, 12 de outubro de 1911 — Lisboa, 11 de março de 1993)

Fotografia - Filipe Santos

 

Os Vendilhões do Templo

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Deus disse: faz todo o bem
Neste mundo, e, se puderes,
Acode a toda a desgraça
E não faças a ninguém
Aquilo que tu não queres
Que, por mal, alguém te faça.

Fazer bem não é só dar
Pão aos que dele carecem
E à caridade o imploram,
É também aliviar
As mágoas dos que padecem,
Dos que sofrem, dos que choram.

E o mundo só pode ser
Menos mau, menos atroz,
Se conseguirmos fazer
Mais p'los outros que por nós.

Quem desmente, por exemplo,
Tudo o que Cristo ensinou.
São os vendilhões do templo
Que do templo ele expulsou.

E o povo nada conhece...
Obedece ao seu vigário,
Porque julga que obedece
A Cristo — o bom doutrinário.

António Aleixo, em "Este Livro que Vos Deixo..."
(Vila Real de Santo António, 18 de fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de novembro de 1949)

Fotografia: António Aleixo (à direita) ( Arquivo CML)
(no Bloguehttp://www.louletania.com)

 

Abandonei as coisas efémeras

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Abandonei as coisas efémeras
para me dedicar ao nosso amor
e todas as coisas são efémeras
comparadas com o nosso amor.
Apenas a poesia não trairei,
não posso abandoná-la -
ela não é uma coisa, é um dom
enraizado no chão da fala.
Só a morte nos pode separar.
Mas a morte não existe, é passagem,
abre implacável o mar desta viagem
lembrando que tudo é pó ou nada.
Abandonei a relva do caminho
e às duas entrego o meu destino.
 

Casimiro de Brito, em " Amar a Vida Inteira"
(Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)

Arte - Clara Andrade
(Portimão)

 

...

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Fui um dia à tua horta,
Pisí a salsa sem querer;
Mas regando-a bem regada,
Ela tronou a crescer
(Mina de S. Domingos)

...
Vai-te, carta, feliz carta,
Triste de quem a notou.
Com lágrimas te escreveu,
Com suspiros te fechou.
(Mértola)

...
Tudo no mundo se prende,
Dele não há que fugir.
Eu sinto-me presa a ti.
E nã dei pr’àdonde hê-de’ir
(Mértola)
...
Todas as Marias são
Doces como o caramelo.
Eu, como guloso sou,
Uma Maria é que eu quero.
(Beja; Amaraleja; Vila Nova da Baronia; Ervidel; e Mina de S. Domingos)

...
Todo o homem que embarca,
Deve rezar uma vez.
Quando vai p’rá guerra, duas,
E, quando se casa, três.
(Mértola)

...
Tenho carta no correio,
A letra de quem será?
S’é de Manuel nã’na quero,
S’é de João deita-a cá.
(Mina de S. Domingos)


Quadras em, "Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo" - Manuel Joaquim Delgado – Com. Rec. Notas – Instituto Nacional de Investigação Científica Lx. – Editorial império 2ª Ed. 1980

Arte - Simão César Dórdio Gomes. - Museu José Malhoa
 

Entre sombras

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Entre sombras, ao longe, vagamente
Flutua a imberbe aurora, a madrugada,
Pois esta paz suprema, e celebrada,
Faz o meu triste canto mais contente.
O sol não soprará clarim estridente
Na estratosfera rota e nublada.
Pois que assim seja, que a alma vergastada
Repete os devaneios de antigamente.
Manhã de chumbo, e à uma, amornecida
No meu país do Sul, terra esquecida
Do reboliço insano das cidades.
Tudo é sossego e plácido torpor
Guiando os passos meus, sempre ao sabor
Da ânsia das etéreas novidades.

Manuel Neto dos Santos, "36 Poemas Anterianos"
Para Antero de Quental
In memoriam
(Alcantarilha)

Fotografia - Praia dos Caneiros - Ferragudo, por Filipe Santos Photography/Fotografia

Grita

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Se o nascer do Sol
não te aquece
não queiras já o pôr do sol
nem queiras mudar o teu nascimento.
Muda o nascer do Sol
e fica onde estás.
Muda o Sol
mas não desistas
Muda o universo
mas não pares de lutar,
Muda o mundo
mas não pares de gritar
mesmo que a tua voz
seja o caminho que escolheste
para a tua morte
com sentido

Fernando Reis Luís, do livro "Teia"

Fotografia - Vila do Bispo por Vitor Pina - Photography

 

Olhas para além do muro

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Olhas para além do muro; e
o que vês? O tempo para além do tempo,
a tarde que não chega, ou a noite que
vai chegar quando menos a esperas,
uma última ave no limite
do céu, pedindo-te que a não sigas.
Mas não cedas ao abraço da árvore,
ao apelo das raízes, à melancolia
de um desejo de horizonte. Encosta-te
a esse muro, sabendo que ele desenha
o espaço que te foi dado, e que as tuas
mãos descobrem no frio da pedra.
Não te resignes ao que existe. A ave
que desapareceu por trás da colina conhece
o caminho que os teus olhos procuram.


Nuno Júdice
(29 de abril de 1949, Mexilhoeira Grande)

Fotografia -Senhora da Rocha por Jorge Florêncio

 

Tu e eu meu amor

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Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nua a mão que segura
outra mão que lhe é dada
nua a suave ternura
na face apaixonada
nua a estrela mais pura
nos olhos da amada
nua a ânsia insegura
de uma boca beijada.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nu o riso e o prazer
como é nua a sentida
lágrima de não ver
na face dolorida
nu o corpo do ser
na hora prometida
meu amor que ao nascer
nus viemos à vida.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nua nua a verdade
tão forte no criar
adulta humanidade
nu o querer e o lutar
dia a dia pelo que há-de
os homens libertar
amor que a eternidade
é ser livre e amar.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Manuel da Fonseca, em "Poemas para Adriano"
(Santiago do Cacém, 12 de outubro de 1911 — Lisboa, 11 de março de 1993)

Arte - Mariana Valente
(Serpa)

 

O meu Algarve (excerto)

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Oh meu ardente Algarve impressionista e mole,
Meu lindo preguiçoso adormecido ao sol,
Meu louco sonhador a respirar quimeras,
Ouvindo, no azul, o canto das esferas
- A marcha triunfal dos mundos pelo ar. –
Para te adormecer, Deus pôs-te perto o mar,
E, para fecundar a tua fantasia,
No vasto palco azul, erguido nos espaços,
Fez mais belo para ti o drama em oiro – o Dia,
E deu, pra te abraçar, à luz, mais fortes braços.
Romântico torrão de doidas fantasias,
Namorado gentil, sensual e troveiro,
Onde o luar se orquestra em novas harmonias
E faz de neve em vez das neves de Janeiro…

João Lúcio, O Meu Algarve, 1905
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)

Fotografia - Senhora da Rocha - Algarve, por Jorge Florêncio

 

Olhão

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Toda vestida de branco
és um jardim sem igual
Cidade cheia de encanto
bem ao sul de Portugal.

.
Terra de pescadores
onde há muita tradição
A beleza das tuas lendas
dá ao poeta inspiração.

.
Da Ria Formosa és capital
Olhão da Restauração
Não és a minha terra natal
mas amo-te!... minha cidade d`adoção.

Mª da Graça Dordio Dimas
(Olhão)
 
Mosaico Fotográfico da cidade de Olhão, elaborado pela página RUMO AO SUL

 

Negrejantes pinhais ...

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Negrejantes pinhais vivendo à beira-mar,
Vales sorvendo luz, colinas maceradas,
Silenciosos navios ao longe a navegar
Sobre o trémulo seio das águas desmaiadas.
Toca-vos o clarão evocador da lua
E tendes logo o ar dum sonho desenhado,
Como um fluido véu por sobre vós flutua
Esse pólen da luz, que os mundos tem criado…

João Lúcio, "O Meu Algarve", 1905
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)

Fotografia - Lagos por Vitor Pina - Photography

Olhos duma algarvia

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Faltaram duas estrelas
Lá no céu, em certo dia...
... _ Foi Deus que quis vê-las
Nos olhos duma algarvia...

João Braz, em "Esta Riqueza Que o Senhor Me Deu..." (quadras)
(S. Brás de Alportel-13 de março de 1912 \ Portimão - 22 de junho de 1993)

 

Postal - Algarve antigo

Corridinho

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Ao som do acordeão
Dança a malta sem igual
Qual roda qual pião
Seja serra ou barrocal

Corridinho corridinho
Também é baile mandado
A Chica mais o Toninho
É um par enamorado

Vai de roda vai de roda
A cueca que se veja
Esta dança está na moda
Lá no adro da igreja

Dança o velho dança o novo
E pode mudar de par
Isto é festa cá do povo
desd`a serra até ao mar

A dança dos corridinhos
seja a sul ou sotavento
Tem o toque dos ferrinhos
Seja norte ou barlavento

 


Fernando Estremoz (Fernando Reis Luís)
(Monchique)

Imagem - postal ilustrado - Corridinho Algarvio

Viagem

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Viajo na memória dos dias em que o tempo era tanto,
e os dias eram feitos de alegrias, sussurros , gargalhadas…
O sol enfeitava o meu cabelo só de encanto,
os olhos, dois faróis iluminavam noites encantadas.
A vida indicava-me o caminho que me chamava , risonho!
E era larga a estrada prometida de venturas,
Semeada de pão e primavera…
E subia montes e pinhais, vestidos de verde sonho,
Que me pareciam quadros e esculturas,
o verde dos quadros de Rivera…
Viajo nesse tempo não esquecido
do sem medo, sem dor de amor perdido
e do nada do que fazemos ser proibido.
Viajo no tempo do rubor e da esperança
do beijo que foi roubado entre uma dança,
da mão procurando a outra no escondido,
de um olhar pousado no decote do vestido…
Viajo ao sabor de um mar revolto de saudade,
mas sem tristeza,
num mar que me renova cada dia,
enganando a natureza,
num corpo agradecido e sem idade.
E viajo, sempre ao som da mesma melodia
que ouvia quando o tempo era tanto
e a vida uma eternidade!


Alcina Viegas
(Tavira)
 
 

 

Eu- Tudo

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Amar é ser o outro e sendo assim...
Sou tudo o que se diz e quem diz; fruto,
É fruto de seguida, no confim
De um estado de alma mais sublime, e arguto.
Amar... é ser areia, ainda virgem
À beira mar; a que retrata os pés
Que são eternos... até à vertigem
Do ribombar, espumado, das marés.
Amar... é ser, não sendo, por inteiro.

.
Por isso, eu amo a terra, e sou paisagem,
Sou madrigal, melódico, outeiro
Se o trinar de algum pássaro vem na aragem.
Amar... é ser requebros do ribeiro
Os livros de linhagem de invernias
De enxurradas barrentas, e bravias
Que desnudam raízes do salgueiro.
Amar... é ter contornos quase aguados
E, nessa imprecisão, ser mais perfeito.
Canto o riacho. Ali, ou no meu peito?
Por entre os seixos (sonhos?) já lascados.
Amar... é ser, e ter, e mendigar
O brevíssimo instante cujo saque
Vem dar, à alma, outra dimensão.
Contemplo a orquídea brava, neste chão,
E sou orquídea brava quando um baque
Me faz surgir, do xisto, em seu lugar.
 


Manuel Neto dos Santos, em "O Viandante das Palavras", em "Timbres"

Fotografia - Grutas de Benagil (Algarve) por Martyna Mazurek

 

Saber o que és...

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saber o que és, dizer o teu corpo,
ouvir-te num breve instante,
dizer o que é amor sem o dizer,
tirar de mim um poema que te cante;

e ver passar-te por entre os dedos
o fio de luz que prende os teus olhos,
e vê-lo enrolar-se em segredos
quando a tua voz o apaga e acende;

tocar-te os lábios num fim de verso,
ver-te hesitar entre sorriso e mágoa,
perguntar se o teu rosto tem reverso,

e ter nele uma transparência de água:
é o que vejo em ti no cair de véu
em que me dás a terra que vale o céu.


Nuno Júdice
(29 de abril de 1949 (65 anos), Mexilhoeira Grande)

Fotografia de Isaura Almeida
(Faro)

Volta até mim

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Volta até mim no silêncio da noite
a tua voz que eu amo, e as tuas palavras
que eu não esqueço. Volta até mim
para que a tua ausência não embacie
o vidro da memória, nem o transforme
no espelho baço dos meus olhos. Volta
com os teus lábios cujo beijo sonhei num estuário
vestido com a mortalha da névoa; e traz
contigo a maré da manhã com que
todos os náufragos sonharam

Nuno Júdice
(29 de abril de 1949 (65 anos), Mexilhoeira Grande)

Fotografia retirada da página Portimão, Você Está Aqui

Vozes do Mar

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Quando o sol vai caindo sob as águas
Num nervoso delíquio d´ouro intenso,
Donde vem essa voz cheia de mágoas
Com que falas à terra, ó mar imenso?

Tu falas de festins, e cavalgadas
De cavaleiros errantes ao luar?
Falas de caravelas encantadas
Que dormem em teu seio a soluçar?

Tens cantos d´epopéias? Tens anseios
D´amarguras? Tu tens também receios,
Ó mar cheio de esperança e majestade?!

Donde vem essa voz, ó mar amigo?...
...Talvez a voz do Portugal antigo,
Chamando por Camões numa saudade!

.
Florbela Espanca, no livro "A Mensageira das Violetas"
(Vila Viçosa, a 8 de Dezembro de 1894)

Fotografia - Zambujeira do Mar (Alentejo) por Nuno Trindade Photography

Canto VII

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Gostar de ti
é este silêncio
povoado de mil palavras.

Gostar de ti
é este fogo,
este ardor.
Gostar de ti
é este pássaro
que me voa por dentro
e só descansa
no beiral dos teus olhos.

Gostar de ti
é esta vontade de gritar
que me sufoca.
Gostar de ti
é este tudo, sem ser nada
é este nada, sendo tudo.

Gostar de ti
é antes de mais
dizer secretamente
ao ouvido do nosso tempo:

Amor!

.
Miguel Afonso Andersen, do livro "Circum-Navegações" (raiz perturbada ou a navegação do amor)
(Ferragudo- Portimão)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Tecer nas sombras os raios de sol...

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Entretido, a tecer nas sombras os raios de sol, nesta paz interior mais forte que o passado, mais simples que o amor, porque é entre o céu e a terra que nós andamos, circunscrevo-me no tempo.
Existo em mim, como se fosse a véspera da partida e não desfaleço, como não desfalecem as correntes pelos mares...
Entranço, na sombra, os raios de sol; para que me reconheças em todos os lugares.

Manuel Neto Dos Santos, "Da Claridade, Erguida em Noite Escura ou O Livro das Perdas"
(Alcantarilha)

Fotografia- Armação de Pera por de Jorge Florêncio

 

Monchique

 

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Montanha-mãe das serras algarvias
Milhos que secam pelas soalheiras
São lenços amarelos e bandeiras
Que nos acenam de entre as ramarias...

Montanha azul do meu país! Umbrias
Religiosas! Bíblicas sobreiras!
De seda verde os soutos. Macieiras,
Riso vermelho, dão-nos os bons dias...

Medita, acaso, a Fóia nos eternos
Mistérios transcendentes...E, intranquilos,
Os outros cerros, tendo estremecido,

Seios redondos, castos e maternos,
Erguem os róseos, túrgidos mamilos,
Dão-se à gula do Sol recém-nascido.


Cândido Guerreiro, no livro "Às Tuas Mãos Misericordiosas" 1945
(Alte - 1871\1953)
 
Mosaico otográfico criado por RUMO AO SUL

 

O olhar

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Olhei-me no espelho
ao acordar...
fixei-me
no olhar
e fiquei a meditar...
...
Para uns,
simples,
casual
ou até
intencional...
pode ser um sinal
ou um gesto especial!
Para outros,
raiva,
ódio
ou inveja...
...
O olhar
reflete o sentimento
que cada alma
tem dentro!...
Olhei
para o meu olhar
e preferi pensar
na beleza do olhar
ao prender-se
noutro olhar
como forma
do verbo
Amar!

Mª da Graça Dordio Dimas, do livro "Pérolas do meu colar"
(Olhão)

Fotografia de Maria da Graça Dimas

 

Desejo

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Queria ser essa noite que te envolve; e
cobrir-te com o peso obscuro dos braços
que não se veem. Um murmúrio
desceria de uma vegetação de palavras,
enrolando-se nos teus cabelos como
secretas folhas de hera num horizonte
de pálpebras. Deixarias que te olhasse
o fundo dos olhos, onde brilha
a imagem do amor. E sinto os teus dedos
soltarem-se da sombra, pedindo
o silêncio que antecede a madrugada.

Nuno Júdice, do livro "O Estado dos Campos"

Arte - Clara Andrade
(Portimão)