Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Na treva

12365988_497458780426520_6254908567368588910_o.jpg

 

Na treva do meu livro, em tanta escuridão,
Era preciso um astro enorme, a cintilar:
Escrevi o teu nome e nasceu um clarão:
Falei da tua alma e já tenho luar.

João Lúcio, no livro "Descendo"
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)

Fotografia de Diamantino Inácio
(Faro)

 

Horas


Meu coração fartou-se, e não consigo
Livrá-lo do afã em que se cansa,
De procurar o sol duma lembrança
Que, alegremente, venha ter comigo.

12362975_497159143789817_5485063899759903448_o.jpg

 
Ah! Não estoires, coração, descansa...
Das negras horas que nos são castigo
Sofre o amargor. Mas guarda bem contigo
Sempre um ridente alvorecer de esperança...

.
Em qualquer vida o bem, bem pouco dura?
Mal que nos ri de perto uma ventura,
Logo o destino, impiedoso, a trunca?

.
Que importa, coração, se ainda temos
Estas horas de sonho que vivemos
À espera de outras que não chegam nunca?...

.
João Braz, em "Esta Riqueza Que o Senhor Me Deu..."
(S. Brás de Alportel-13 de março de 1912 \ Portimão - 22 de junho de 1993)

Fotografia do poeta João Braz editada pela página RUMO AO SUL

Só quem sofreu...

12362821_496895560482842_2911807660452947080_o.jpg

 

Só quem sofreu durante muito tempo
poderá escrever um poema de amor.
Chega o dia em que o som do vento
e a febre das folhas que vão caindo
já não trazem desgraça, apenas o sussurro,
a perdição amável de quem vive
a sombra e o verão. Assim viajo
até ao voo derradeiro
para dentro da pedra — um ovo!
E voar de novo, “à barca, à barca (…) oh, que maré
tão de prata!” — e cantar de novo,
de pedra em pedra, de ovo em ovo.
Faça-se então
o ofício da dor. Talvez me seja dado
um poema de amor.

Casimiro de Brito, "Livro das Quedas"
Brito (Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)

Fotografia - Vitor Pina - Photography

 

Mote


12309709_496060417233023_8213795857782202854_o.jpg

 

Há tanta ideia perdida
Nos campos de trigo ouro
Vasta planície com vida
Alentejo meu tesouro

Por entre vales e serras
Chaparros e azinheiras
Sobreiros e velhas eiras
Contidos em farta rima
Entre memória com história
A planície embriagada
Nas rimas de triste fado
Canta aqui e acolá
Quase sempre ao deus dará.
Há tanta ideia perdida!!

Assim os dias vão passando
Na letargia de um ribeiro
O seu povo verdadeiro
Alegre cantarolando
Modinhas que são besouro
Que elevam os sentidos
No vento com seus gemidos
A saudade é bebedeira
Triste namoradeira
Nos campos de trigo ouro

Velhos de cabelo branco
Jovens de esperança viva
Esta terra está cativa
Presa em fundo barranco
A alma de todos nós
Moinhos de tantas Mós
Em grupo ou mesmo sós
O trigo lá vão moendo
Em quadras que vão escrevendo
Vasta planície com vida

Por agora eu termino
Ao cantar que a voz me doa
Alentejo me perdoa
Este meu jeito franzino
Venho da casta de um mouro
Que um dia caiu do vento
Plantou aqui seu rebento
Por entre o barro vermelho
Hoje no céu como um espelho
Alentejo meu tesouro.

Antonia Ruivo - Évora
https://plus.google.com/109519527447258036282/posts

Ftografia - Alentejo por Jorge Campaniço


Deixássemos nós ...

12322522_496627463842985_2729891370355291739_o.jpg

 
Deixássemos nós fluir, da ponta dos dedos, os gestos, as carícias dedilhando a demora de uma ausência maior... e tudo à nossa volta desabrochava como um terreno baldio, ao Sul.
Deixássemos nós fluir, na gaiatez de um sorriso, na cumplicidade das horas que já não são dia e ainda não são noite... e seríamos um e apenas um; eu mar como se fosse céu e tu céu como se fosses mar e seríamos, meu amor, a imensidão do azul.

Manuel Neto Dos Santos, do livro "Aurora Boreal ao Sul" - com lançamento marcado, em S. Bartolomeu de Messines, para o dia 19 de dezembro de 2015.

Fotografia de Euridice Cristo

Terra-mãe

12304406_496446433861088_4265766963731416945_o.jpg

 

Lá dos campos, tristes campos,
Dos campos do Alentejo,
Vim ainda pequenino
- E pequenino me vejo...
Lá nos campos, tristes campos
Da solitária planura,
Nasceu a minha revolta,
Nasceu a minha amargura.
Lá dos campos, tristes campos,
Vem a lembrança de tudo
O que mais amo e desejo.
Vem a fome, a sede e o sono
Das terras do Alentejo!

Raul de Carvalho
Alvito (Alentejo) 4 de setembro de 1920 — Porto, 3 de setembro de 1984)

Fotografia - Alentejo (Serpa) por Bruno Palma

 

Sentir

12339103_495995670572831_2339119049993112923_o.jpg

 

Recordo a toda a hora, com paixão,
a tarde em que pousei este meu rosto
nos braços do teu peito, de sol-posto,
em cachos de vislumbre e de emoção.

E foi naquela tarde de verão,
tecida de alegrias e desgosto,
dum junho parecido com agosto,
que fiz a despedida à tentação.

Levaste beijos dados à socapa.
Vencemos, sem querer, a grande etapa
de sermos um só corpo, em pensamento.

Chamaram, de outro lado, e tu partiste.
talvez eu nunca saiba o que sentiste,
mas eu senti tombar o firmamento.

Glória Marreiros
(Monchique)

Fotografia de Diamantino Inácio
(Faro)

 

Fim do Dia

11053710_495769473928784_7203119566870643699_o.jpg

 

A sombra da noite varreu a cidade
E o sol no poente perdeu claridade.

Então, o negrume desceu lentamente
E a testa encostada à vidraça da rua,
Olhando o vazio da sorte presente,
Que a paz também cansa se não se recua.

A hora é mágica e puxa o passado.
Numa vida longa, já muito se viu,
Já tantos passaram por dentro ou ao lado.
Amores, amigos, família partiu.

Cruzaram comigo pessoas de bem,
Passaram algumas mas outras ficaram,
E andaram ao lado, felizes também,
Porém, outras inda plo mal se marcaram.

Assim, pensamentos nos dão revisões
Da dada matéria, com folhas já lidas
Ou livro esquecido por fracas lições.
Se esta é minha vida, iguala outras vidas.

A testa no vidro, a hora que avança
E a mente trabalha e nunca descansa…

Faro, 29 de novembro de 2015
Tito Olívio

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Solidão

12341431_495402670632131_6066611383801069892_n.jpg

 

Que venham todos os pobres da Terra
os ofendidos e humilhados
os torturados
os loucos:
meu abraço é cada vez mais largo
envolve-os a todos!

Ó minha vontade, ó meu desejo
— os pobres e os humilhados
todos
se quedaram de espanto!...

(A luz do Sol beija e fecunda
mas os místicos andaram pelos séculos
construindo noites
geladas solidões.)

Manuel da Fonseca, em "Poemas Dispersos"
(Santiago do Cacém, 12 de outubro de 1911 — Lisboa, 11 de março de 1993)

 

Navios

12304336_494837047355360_2805996239959049580_o.jpg

 
Houve navios no mar da nossa infância:
Eram barcos de cartão
Sem qualquer importância.

E, no entanto, à distância,
Olha como eles são:
Paquetes a cortar a imensidão.

Não me digas palavras que recordem
Os largos oceanos
Ficaram para trás, são a desordem
De um passado de enganos.

Tanta coisa perdida! Tanta que ficou
Naufragada nos barcos de cartão!
Mas as praias donde sou
São mesmas de então.

Torquato da Luz, em "Destino do Mar"
(Alcantarilha, Silves, 1943 - Lisboa, 2013)

Fotografia - Praia Dona Ana ao fundo - Lagos por Filipe Da Palma

Trezentos e Trinta e Três Tercetos

11232066_495710887267976_1232846722402156990_o.jpg

 

207
Fiquei petrificado ao mirar-te
E agora sou rocha na praia
Esperando que voltes

68
Indiferente ao lugar
Habito a respiração
Enquanto o sol passa

144
A areia suspensa no vento
Fere-me a epiderme nua
Mas não lhe abre mais poros

.
Fernando Reis Luís, em "Trezentos e Trinta e Três Tercetos"
(Monchique)

Fotografia - Praia dos Carneiros\ Ferragudo- Algarve, por Filipe Santos

 

Noite por ti despida

12314391_494579524047779_5616147786755584385_o.jpg

 

Adulta é a noite onde cresce
o teu corpo azul. A claridade
que se dá em troca dos meus ombros
cansados. Reflexos coloridos. Amei
o amor. Amei-te meu amor sobre ervas
orvalhadas. Não eras tu porém
o fim dessa estrada
sem fim. Canto apenas (enquanto os álamos
amadurecem) a transparência, o caminho. A noite
por ti despida. Lume e perfume
do sol. Íntimo rumor do mundo.

.
Casimiro de Brito, em "Solidão Imperfeita"
(Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Este é o reino...

11261784_494492017389863_7181077977053179518_o.jpg

 

Este é o reino que buscamos nas praias de mar verde, no azul suspenso da noite, na pureza da cal, numa pequena pedra polida,
no perfume do orégão. Semelhante ao corpo de Orfeu dilacerado pelas fúrias este reino está dividido. Nós procuramos
reuni-lo, procuramos a sua unidade, vamos de coisa em coisa.

Sophia de Mello Breyner Andresen, em " Arte Poética I"

Fotografia - Praia da Estaquinha, Lagoa, Algarve por Nuno Trindade Photography

Pastor de Ideias

12274736_494181650754233_8064287649921850219_n.jpg

 

Eu sou pastor de ideias, de ideais,
Não tenho igreja, rezo nos jornais
Nos dias em que escrevo pra ninguém.
Não há prazer maior que ser poeta,
Cantar a nossa dor como um asceta,
Ser crítico do mal, como convém.
Se a gente fizer algo diferente,
Há logo quem se oponha, quem não queira,
Quem ache que essa ideia é uma asneira,
Mas só porque não sai da sua mente.

O mundo avançou por ter havido
Cabeças pensadoras, geniais,
Poetas, cientistas, generais,
Vivendo pra rasgar desconhecido.
Sou pastor de ideais de fina louça
E cumpro como posso, como sei.
No meio das ideias sou um rei,
Embora sem ter povo que me ouça.
Pastores, sempre teve a humana história,
Mas quantos permanecem na memória?

Tito Olívio
(Faro)

Ilustração - Postal de pastor algarvio - inverno de 1960, editado pela página RUMO AO SUL

 

Prós lados do sul

12295425_494132137425851_7204636689727847694_n.jpg

 

Prós lados do sul
onde o mar seduz
há uma princesa
de magia
e luz...
o sol irradia
brilha
contagia
encanta o olhar ...
a manhã sorri
e põe-se a cantar
tal a alegria
ao vê-la passar...
doce sintonia
perfeita magia...
conto...não resisto
que há quem tenha visto
os três festejar
rir e a dançar
prós lados do sol
defronte do mar.

Dina Soares Oliveira

 

Outra vida!

12304267_494053600767038_4923196329733478301_o.jpg

 

O suave verde do mar
Veste-me os olhos de esperança…
As ondas no vaivém da sua dança,
Embalam o meu sonhar
Tal qual o voo da gaivota
Que sigo no seu voar…
O sol ilumina o dia
Com as cores da fantasia!
Tudo é belo à minha volta.
Meus passos ficam na areia
E eu vou seguindo em frente
Sonhando a vida diferente
que me espera… se encadeia
entre um passado presente
e um futuro sorridente
que a vida me presenteia!

Alcina Viegas
(Tavira)

Fotografia de Jorge Florêncio
(Senhora da Rocha - Algarve)

 

Al-Hambras

12314370_493589647480100_729477243443653567_o.jpg

 

Costa algarvia... Fogo e sangue-argila
De que Deus extraiu essa mancheia
Com que fez carne e a insuflou ideia
Certa manhã genésica e tranquila...

Costa algarvia... Pinheirais, areia
Que a gente pisa, e brota uma cintila,
E o nosso andar parece que rutila,
Quando o poente ao largo se incendeia...

E torres de almenaras, destas grutas,
Em vez de fumo leve espiralando
Destas varandas, plintos, colunatas

De capitéis floridos de volutas,
Sobem às vezes, de repente e em bando,
Pombas bravas, cinzentas, timoratas...

Cândido Guerreiro (Alte - 1871\1953) em, "Sonetos e Outros Poemas"

Fotografia - Lagoa por Leos Photos

 

Luar de prata

12304397_493586717480393_4649489973738421077_o.jpg

 

Cai, sobre o Algarve, este luar de prata; um corcel andaluz, filho de Agar… e eu deixo, por instantes, o lugar eu sou, todo eu, a luz nefelibata. Disponho, pelo céu, brilho e folguedos num drapejado a relembrara a seda… e a noite vai chegando, pela vereda; e nasce-me um poema, pelos dedos.

Manuel Neto dos Santos, em " Dias de Fazer" (a publicar)
(Alcantarilha)

Fotografia de Pedro Cabeçaas
(Faro)

ALGARVE- Chaminés e Platibandas

12274771_493507087488356_6336472545192112584_n.jpg

 
Fazendo parte da arquitetura tradicional algarvia as chaminés decoradas e as platibandas coloridas têm fortes influencias árabes.
Refletem a historia de uma região soalheira onde os perfis se recortam no azul profundo do céu.
A Chaminé, é sem dúvida o maior símbolo do Algarve. Cilíndricas ou prismáticas, simples ou elaboradas, as chaminés algarvias fruto da influência de cinco séculos de ocupação árabe, mais do que pura utilidade têm um enorme valor ornamental.

Mosaico fotográfico criado com fotografias de Filipe da Palma

Caminho, pela vida

12227805_489514364554295_5444301086512327557_n.jpg

 

Caminho, pela vida, exuberante
Tudo sentindo de maneira extrema
Para que me descreva num poema
Na perfeição, na forma redundante.
Que um verso me retrate de tal jeito
Que saiba, quem o ler, que me descreve
À flor dos vossos lábios, ao de leve,
O turbilhão que habita no meu peito.
Caminho, pela vida, neste empenho
Da narrativa de aflição sagrada;
Cartão de identidade? Um simples nada
Da imensidão que na minha alma tenho.
 

Manuel Neto Dos Santos, em "Tímida Exuberância" (a publicar)
(Alcantarilha)
 
Fotografia de Manuel Neto dos Santos editada pela página RUMO AO SUL

 

Teus olhos

12243352_489399237899141_5643377912524360814_n.jpg

 

Teus olhos, cuja luz
Já me envolveu d'amor o coração
E doirou minha cruz
Do seu divino e mágico clarão...

Teus olhos, cuja graça
à em risos passou por sobre mim,
Como pelo ermo passa
A Luz a desfolhar-se, - alvo jasmim...

Teus olhos, cujo pranto
Por mim já derramaste, quando ausente,
Cheia de dor e encanto,
Choravas de saudade, aflitamente...

Teus olhos, esses sóis
que eu adorava como o persa adora
O sol entre arrebois...
- O meu Norte, o meu Dia, a minha Aurora!

Teus olhos... porque os vi
Fitando uns outros que não são os meus,
De todo os esqueci...
E assim manchaste tu esses dois céus!...


Bernardo de Passos, em "Obra Poética de Bernardo de Passos", I parte

 

Fotografia de Bernardo de Passos editada pela página RUMO AO SUL

E quando a noite vem...

 

12189112_489649507874114_7360369382776815313_n.jpg

 

E quando a noite vem, cobrindo tudo
Do negrume estrelado do seu manto.
Acende-se um presépio em Ferragudo,
Reflectindo no rio um raro encanto...

Mas, dia ou noite, é sempre uma visão
Estranha e bela de país de sonho
A que se tem, aqui, em Portimão,
Donde, às vezes, me vem a inspiração
Para os humildes versos que componho!
(excerto)

João Braz, em "Esta Riqueza Que o Senhor Me Deu..."
(S. Brás de Alportel-13 de março de 1912 \ Portimão - 22 de junho de 1993)

Fotografia - Ferragudo - Algarve, por Leos Photos

 

Terra do Nunca

12195018_489250037914061_7726604493006501521_o.jpg

 

Se eu fosse para a terra do nunca,
teria tudo o que quisesse numa cama de nada:

os sonhos que ninguém teve quando
o sol se punha de manhã;

a rapariga que cantava num canteiro
de flores vivas;

a água que sabia a vinho na boca
de todos os bêbedos.

Iria de bicicleta sem ter de pedalar,
numa estrada de nuvens.

E quando chegasse ao céu pisaria
as estrelas caídas num chão de nebulosas.

A terra do nunca é onde nunca
chegaria se eu fosse para a terra do nunca.

E é por isso que a apanho do chão,
e a meto em sacos de terra do nunca.

Um dia, quando alguém me pedir a terra do nunca,
despejarei todos os sacos à sua porta.

E a rapariga que cantava sairá da terra
com um canteiro de flores vivas.

E os bêbedos encherão os copos
com a água que sabia a vinho.

Na terra do nunca, com o sol a pôr-se
quando nasce o dia.

Nuno Júdice
29 de abril de 1949 . Mexilhoeira Grande

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Sou barquinha

12241024_488966554609076_3946200129889229119_o.jpg

 

Sou barquinha flutuante...
Que percorre o Mundo inteiro
Com bussola, com sextante
Navego no meu veleiro...

Procuro rota distante...
Vou ao sabor de marés
Noite e dia, vigilante...
Percorro todo o convés!

Quando o vento sibilante
Me arrasta com fervor...
Aquele farol brilhante,
Dá-me a Rota do Amor!

E se uma onda cantante,
Bate em fúria desmedida
Eu sei vencer o Gigante,
Nunca me dou por vencida!

Na minha fé desmedida,
Levo sempre na bagagem
A força e a coragem...
Do meu amor sem medida!

E a vida para além da vida,
Na sua rota constante...
Vejo a maré na vazante
Mas não me sinto perdida!

Mas como é linda a mensagem,
Da Barquinha Flutuante...
Leva na sua bagagem...
A alma do Navegante!

E a linha do horizonte...
No seu infinito espaço
Vai levar a agua à fonte
Vai levar-te o seu Abraço!
 

Maria José Fraqueza
(Fuzeta - Faro)

Fotografia de Pedro Cabeçadas (Ria Formosa - Faro)

 

Dona Abastança

12208507_488767611295637_8755021826930880049_n.jpg

 

«A caridade é amor»
Proclama dona Abastança
Esposa do comendador
Senhor da alta finança.

Família necessitada
A boa senhora acode
Pouco a uns a outros nada
«Dar a todos não se pode.»

Já se deixa ver
Que não pode ser
Quem
O que tem
Dá a pedir vem.

O bem da bolsa lhes sai
E sai caro fazer o bem
Ela dá ele subtrai
Fazem como lhes convém
Ela aos pobres dá uns cobres
Ele incansável lá vai
Com o que tira a quem não tem
Fazendo mais e mais pobres.

Já se deixa ver
Que não pode ser
Dar
Sem ter
E ter sem tirar.

Todo o que milhões furtou
Sempre ao bem-fazer foi dado
Pouco custa a quem roubou
Dar pouco a quem foi roubado.

Oh engano sempre novo
De tão estranha caridade
Feita com dinheiro do povo
Ao povo desta cidade.

Manuel da Fonseca, em "Poemas para Adriano"

Arte - Rogério Ribeiro - Manufactura Tapeçarias de Portalegre