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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Boas noites!

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Estava uma lavadeira
a lavar numa ribeira
Quando chega um caçador:
- Boas tardes, lavadeira!
- Boas tardes, caçador!
- Sumiu-se a perdigueira
Ali naquela ladeira;
Não me fazeis o favor
De me dizer se a brejeira
Passou aqui a ribeira?
- Olhai que, dessa maneira,
Até um dia, senhor,
Perdereis a caçadeira,
Que ainda é perda maior.
- Que importa, lavadeira!
Aqui na minha algibeira
Trago dobrado valor...
Assim eu fora senhor
De levar a vida inteira
Só a ver o meu amor
Lavar roupa na ribeira!
- Talvez que fosse melhor...
Ver coser a costureira!
Vir de ladeira em ladeira
Apanhar esta canseira,
E tudo só por amor
De ver uma lavadeira
Lavar roupa na ribeira...
É escusado, senhor!
- Boas noites... lavadeira!
- Boas noites... caçador!

João de Deus
(São Bartolomeu de Messines- 8 de março de 1830\ Lisboa -11 de janeiro 1896)

Fotografia de João de Deus

 

É sempre tempo...

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É sempre tempo
Para plantar flores
Mesmo que seja outono
E as harpas do tempo
Permaneçam em silêncio

É sempre tempo
Para encantar o vento
E fecundá-lo em ecos
Levando o mosto das palavras

É sempre tempo
De escrever poemas na areia
Desafiando as ondas
E a quietude da praia
.
Fernando Reis Luís, em Atalhos & Retalhos (a publicar)
(Monchique)

Fotografia - Praia da Rocha (Portimão) por Filipe Santos

 

Do mar...

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Do mar,
sei o ir e o voltar
em vão
do pescador e da dor.

Das redes vazias de peixe e pão.

Da sardinha
mais madrasta do que madrinha.

Sei do teu rosto trigueiro esculpido
pela aragem do sol, do sal e do não
ter,

Sei do teu olhar azul e manso
esse mar imenso no fundo dos olhos. A bonança.

A bóia, o colete de salvação, a esperança
no amainar dessa tempestade
a crescer-te na raiva surda
do ó-riba-lé de não haver.

.
Miguel Afonso Andersen, do livro "Da Volúpia, os sinais" (Voz Extrema)
(Ferragudo\ Portimão)

Fotografia de Jorge Florêncio (Senhora da Rocha - Algarve)

O poema eras tu!

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Tinha o odor terroso do estio africano,
o rumor matinal do dia a levantar voo
e trazia um rio de luz
a transbordar as margens do sorriso.

Era assim, deslumbrante, o poema.
Sussurrante, tocou-me no ombro:

Venho assim sem rima
em verso branco, quase nu.

Parei. Olhei. Com assombro
e espanto vi. O poema eras tu!

.
Miguel Afonso Andersen, no livro "Circum-Navegações"

Fotografia - Lagoa (Algarve), por Jorge Manso

 

Gente Honradinha


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Já lá foi preso o ladrão
Que em toda a parte aparecia;
Contam-se mais de um milhão
De roubos que ele fazia.

Meus senhores, vão ouvir
A história do quadrilheiro
Manuel Domingos Louzeiro,
Que foi a pena cumprir,
Enquanto alguém de Salir,
Num primor de descrição,
Lhe chama até «Lampião»;
Mas, salirenses honrados,
Podeis dormir descansados,
Já lá foi preso o ladrão.

Pelas coisas que o povo diz,
O tal Domingos tem sido
Para uns, um terrível bandido,
Para outros, grande infeliz.
Mas eu, sem querer ser juiz,
Vi que ele se despedia
Da mulher com quem vivia
Numa amizade sincera
E não vi nele a tal fera
Que em toda a parte aparecia.

Desse rei dos criminosos,
Direi, aos que o conheceram:
Poucos crimes apareceram
E poucos são os queixosos;
Apenas alguns medrosos
Terrível fama lhe dão;
Para a justiça só são
Os seus crimes dois ou três,
Mas coisas que ele não fez
Contam-se mais de um milhão.

Por alguns sítios passava,
Onde há só gente honradinha,
Que roubava à vontadinha
E que ninguém acusava;
Tudo Domingos pagava,
E ele às vezes nem sabia
Que à sua sombra vivia
Gente que passa por justa,
Fazendo crimes à custa
Dos roubos que ele fazia.

António Aleixo
(Vila Real de Santo António, 18 de fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de novembro de 1949)

 

As coisas simples

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As coisas simples dizem-se depressa, tão depressa que nem conseguimos que as ouçam. As coisas simples murmuram-se, um murmúrio tão baixo que não chega aos ouvidos de ninguém. As coisas simples escorrem pela prateleira da loja, tão ao de leve que ninguém as compra. As coisas simples flutuam como vento, tão alto, que não se vêem . São assim as coisas simples: tão simples como o sol que bate nos teus olhos, para que os feches, e as coisas simples passem como sombra sobre as tuas pálpebras.

Nuno Júdice
(29 de abril de 1949 . Mexilhoeira Grande)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

À janela

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Ninguém sabe por que fados
Os ventos sopram sozinhos
Às janelas da saudade
Arrastando tempestades
Que nos fustigam as carnes
Desfazendo com uivados
O que foi a nossa imagem
Resto de nós, quase aragem
À janela
À janela
À janela
...

Amélia Muge

Mosaico fotográfico de janelas algarvias por Filipe da Palma

 

Quero viver a vida

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Quero viver a vida
com crença
e com esperança!...
Viver tão só, a lembrança
de momentos de prazer!
No interior do meu ser,
quero sentir a vida
como um novo amanhecer!
E... se algum dia
a descrença
à minha porta bater,
sei bem a quem recorrer!
Vou à procura da chama
que irradia harmonia
e lá, irei encontrar,
a esperança de cada dia!

.
Mª da Graça Dordio Dimas
(Olhão)

Fotografia - Cacela por Filipe da Palma

 

A Moura e os Figos - LOULÉ

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Além desta moura, outra existe também encantada, a meio caminho da Fonte do Filipe, no lugar da Amendoeira, um dos sítios da mesma freguesia.
Consta da lenda que em certa ocasião, há muitos anos, foram dois rapazes buscar água à aludida fonte Quando iam já afastados da mesma fonte com os seus cântaros cheios, apareceu-lhes repentinamente uma formosa mulher de louras tranças estendidas sobre os ombros. Pareciam madeixas de fios de ouro.
Ficaram os dois rapazes surpreendidos com o súbito aparecimento de tão formosa dama. Esta, porém, num sorriso que lhe bailava nos lábios, com uma ingenuidade pasmosa, aproximou-se dos rapazes e convidou-os a servir-se de uns figos, estendidos a secar em uma esteira de palma em que eles ainda não tinham feito reparo.
O mais velho dos rapazes, por desdém ou por qualquer outro motivo, não acedeu ao convite e seguiu o seu caminho; o outro, o mais novo, aproximou-se da esteira e tirou a mão cheia de belos figos agradecendo à mulher a gentileza do oferecimento. Esta quedou-se a olhar para o rapaz que apressava os passos no intuito de alcançar o seu companheiro, que já ia distante. Quando o mais novo quis mostrar os belos figos e se encontrou com outras tantas peças de ouro, ficaram ambos muito surpreendidos. Então o mais novo disse:
— Não quiseste mais perdeste.
— Quem te deu essas peças? perguntou o mais velho.
— São os figos que tirei da esteira.
Maravilhado o mais velho e pesaroso de não ter sido mais delicado com tão rica dama voltou imediatamente pelo mesmo caminho até chegar ao sítio onde encontrou a dama. Esta então num riso azedo e zombeteiro disse ao rapaz:
— Queres figos? queres figos? Devias tê-los levado quando t’os ofereci.
E o rapaz ficou pasmado, sem dizer palavra. A mulher desapareceu nesse momento com a velocidade do relâmpago.
Horas depois era sabido de toda a gente que ali aparecia uma formosa moura encantada. Há centenas de anos que a moura aparece e desaparece. Muita gente a tem visto. Não consta que tenha feito algum mal, não obstante todos evitam passar pelo sítio nas horas adiantadas da noite ou ao meio dia. Diz o povo, na sua linguagem singela, que o caldo de galinha nunca fez mal aos doentes, e por isso evitam encontrar a moura.

Fonte: http://www.lendarium.org/biblio/as-mouras-encantadas-e-os-encantamentos-do-algarve/

Ilustração do livro "Lendas de Portugal", de Fernanda Frazão