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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Sulino

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Como a um templo, às vezes te venero
De rastos sobre a areia deste ensejo;
Correndo seca e Meca o desespero.
Sou os traços dos pés à beira – mar
Que a espuma acaricia, e vem roubar
Para os requebros do azul… que agora vejo.
.
Manuel Neto dos Santos, do livro "Sulino"
(Alcantarilha)

Fotografia - Vitor Pina - Photography
(Portimão)

Aroma de poesia

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Entre anseios e afagos,
pedras frias, profanas, amargas,
vislumbra-se um mar ávido a Sul,
invocando a volúpia e o prazer,
traduzido por gestos que transpiram o seu sal
num deslizo vertical de ternura,
uma sensação estranha, pura,
que estrangula a voz e a palavra,
com um simples acenar de desejo,
sua nudez presencial,
aroma de poesia.

Marco Mangas
(Tavira)

Fotografia de Vitor Pina - Photography (Prainha - Alvor - Portimão)

De manhã

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De manhã, o mar parecia saltar de dentro
das nuvens, como se não fosse ele que as
refletisse. Depois, o sol restabeleceu
a ordem das coisas, o prumo voltou a indicar
o alto e o baixo, e até o ruído das
ondas deixou de nos submergir com a sua
insistência, deixando ouvir de novo o
bater dos toldos com o vento, os gritos
de um bando de gaivotas, e a tua voz,
atravessando toda a memória deste dia.

 

Nuno Judice
29 de abril de 1949 . Mexilhoeira Grande

Fotografia de Jorge Manso (Praia do Evaristo - Albufeira)

 
 

Procuro teus traços

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Procuro teus traços
em rosto configurados
abro bem os olhos
de névoa enevoados
tacteio com os meus dedos
rugosos e encarquilhados
e não te encontro
em forma humana.

Mas tu és aquele...
que faz parte do Oceano
que abarca tuas águas
e se funde contigo.
Sim, tu és o Mar...
E eu... eu sou a Falésia
que te observa
e não cessa de te olhar.

Em ti, eu planto
os meus sonhos sonhados
e os que estão por sonhar.

Tu és aquele
que em marés altas
se avoluma e se espraia
e à noite
me vem beijar.

Lenea Bispo

Fotografia - Portimão por Vitor Pina - Photography

Um Corpo um País

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Frente ao mar
meu corpo ardente e nu de marinheiro
pelo sangue. Fervem-me nas veias
um milhão de ondas em repouso.
Em meus olhos cativos e saudosos
— imagem da minha solidão imensa —
o abraço que me une a ti
ó mar
deus pagão de olhar luminoso e belo!
Recebe ó mar este afluente silencioso
que para ti corre e contigo se confunde
o líquido canto a quem me digo
pelo drama de não ser só teu.

 

Casimiro de Brito
(Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)

Fotografia -Praia de Faro.por Martyna Mazurek fotografia

Círculo de Fogo

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E se tudo isto não fosse bem assim?
Se não fossem os riachos aquilo que julgamos ser;
Corpos de água em movimento…

E se a brancura fosse apenas a ausência de cor e o silêncio
(que de facto não existe)
Nada mais fosse que a espera do regresso da tua voz…
E se morrer, meu amor, fosse somente o terror de te sentir distante?

Mas, tudo é de facto bem assim; vivo de facto…
Quando te vejo chegar, ao longe, lá mais adiante.

 

Manuel Neto dos Santos, do livro "Círculo de Fogo"
(Nasceu em Alcantarilha - Silves-Algarve - a 21 de Janeiro de 1959)

Fotografia - Monchique por Filipe Santos Photography/Fotografia

Ingénuo pensei...

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Ingénuo pensei,
que o adeus era um beijo, um até logo,
um barco partindo já com velas de regresso.
Não esta ansiedade, este silêncio,
este roçar arrítmico pelas dobras da espera.

Crédulo julguei,
que a distancia era um rio navegável
pela correnteza do cio,
entre o desejo de partir e ânsia de chegar.
Não este nevoeiro espesso e opaco
que a luz verde do teu olhar não rasga
e me cristaliza na memória
o sabor tutti-frutti do teu sorriso.

Inocente acreditei,
que a saudade era apenas e só
uma palavra dedilhada
na escala polifónica da tristeza.
Não esta guitarra em ferida,
este cilício que vibra e dói por dentro
no dó sustenido da tua ausência.

Entre puros enganos corre assim um tempo
padrasto da minha hora e desta idade
em ilusões e delírios derramada,
mas no canto mais perene desta liturgia
declaro-te para sempre, rainha coroada
no trono da minha mais ínfima alegria.

Miguel Afonso Andersen
(Ferragudo\ Algarve)

Fotografia - Praia do Castelejo num por do sol com neblina, por Euridice Cristo

Geometria das Aves

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As aves são agentes
Da geometria fractal
Imitando estrelas cadentes
Na leveza dos voos fátuos

Desenhos a grafite no céu azulado
Esboçando traços de ângulos agudos
No veludo do entardecer
Para decifrar as claves da lua
Entre o céu esboçado em nebulosas
E os poros do corpo e da terra
Beijada pelo dia declinado

Mergulhos nas árvores senoitadas
Restando do verde dos braços
A abrir-se como asas de sonhos
Libertos nas arcadas dos túneis dos voos

Na manhã seguinte as aves voltarão das grutas
Sem medo dos homens
E os homens voltarão na explosão da luz
Levando os archotes
Nas asas das penumbras
Para iniciar outro semicírculo
Traçado em arcos de giz e arco-íris
Nos retalhos das teias do sol
Fazendo a textura da pele em geometria

.
Fernano Reis Luis, em "Ipsis Verbis"
Lançamento no próximo dia 18 de junho, 16h00, Casa Manuel Teixeira Gomes, Portimão

Fotografia de Jorge Florêncio

O vermelho que me pedes

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Dizes que te falta o vermelho e eu não sei
porque te não chegam todas as cores que te dei...
Num dia de tempestade quando o sol se pós à espreita
encontrei o arco-íris e roubei-lhe o violeta
Ficaste da cor da nobreza, do mistério e da sedução
E por um instante tão breve alegraste-me o coração
Mas não chegando uma cor, na manhã primaveril
Estiquei-me mais um pouco e alcancei... o azul e o anil
Com esse trio de cores eras um crepúsculo encantado
Mas com olhos tristes pedias-me o encarnado
E eu à espera que o Sol brilhasse sobre as gotas do meu suor
Para poder roubar as cores uma a uma e provar-te o meu amor
Escalei à mais alta montanha quando um raio de luz rompeu
E apanhei o verde para a cor dos olhos teus
Verdes mas tão sem brilho os teus olhos a pedir
“Preciso do vermelho, tão certo como o sentir!”
E eu não sei o que querias, tu, tão linda, sentir
se era tanto o que eu sentia só por te colorir
Dou-te o sol que é amarelo e o laranja, que é mais quente
Dou-te o mundo inteiro, amor,
Dou-te o meu amor ardente
O vermelho que me pedes, é cor que não é real
É tão breve, tão efémera, dura tão pouco afinal
“É sangue a correr nas veias, é cereja, é rosa flor,
É paixão o que me falta, é o ar, é o amor!”

Poema e fotografias de Eurídice Cristo (Olhão)

A Terra, o Céu, o Mar

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Eu quis um dia pintar
a magia dum abraço.
Tinha a Terra, o Céu, o Mar,
para puder encontrar
inspiração para o traço
que tornaria divino
o quadro do meu destino.

Mas, dos três, qual escolher?
O dilema era tão grave,
todos me davam prazer
e me faziam viver
um sonho alegre e suave.
Tive de pedir conselho
a um “Sapiente Velho”.

Tinham os três a valia
para mil quadros perfeitos.
Disse-me Deus, com magia
e denotada mestria:
- Devem ser todos eleitos!
- O Mar é prata, é um véu
sobre a Terra prometida
que anseia a paz, que é o Céu.

No quadro pintei o trio
duma beleza que encerra
Mar e Terra, feitos brio,
no Céu que é a minha serra.

Glória Marreiros
(Monchique)

Arte - Caetano Ramalho
(Portimão)

No sul as Mimosas

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na renda do arvoredo
entre o sol e a sombra
em todos os espaços
os passos dos poetas

entre a chuva e o vento
na água correndo
na garganta dos pássaros
a voz dos poetas

no murmúrio dos rios
na trança do tempo
na trama dos fios
os passos dos poetas
no silvestre coro
do riso e do pranto
as secretas mouras
tecem o encanto:

no pulsar da pedra
a voz dos poetas

 

Josefa Lima, do livro "No sul as Mimosas"
(Vila Real de Santo António)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

À memória de al- Mutamid

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À memória de al- Mutamid,
Herança transcendente do Sul

Ao som de belas cantigas
De abelhas que, pelo jardim,
Vão de corola em corola…
Ouço as cadências antigas
De Al- Hambra que mora em mim;
Peço poesia por esmola.

Manuel Neto dos Santos, do livro "Sulino"

Fotografia - Silves Praça Al- Mutamid por Euridice Cristo

As terras

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Terra aonde nasci, brava, movimentada,
Velha amiga do mar, minha terra arrojada,
Onde nunca o valor se extingue e se destrói,
Branca filha de heróis e mãe de tanto herói,
Bela, como tu és, é que te quero mostrar,
Com mirantes de neve, erguidos, a olhar,
Seguindo sobre a água, os sonhos e as velas,
Sob a copa do céu a sacudir estrelas!
Tens ruas brancas que se torcem e coleiam
Dando a impressão que com volúpia ondeiam,
E tendo, no esguio e apertado espaço,
O carinhoso ar afável dum abraço,
Onde há não sei o quê de morno e sensual,
Um bafo de serralho ardente, oriental.
[...]
A casaria tem alvuras argelinas.
Curvas da cor do gelo a desenharem ruas,
Têm alvores sensuais lembrando espáduas nuas...

Uma volúpia doce, astral, desfalecente,
Dissolve-se no ar embriagante e quente...
[...]
Tu tens a languidez, a dormente magia
Que abre nos corações a flor da fantasia,
Um hálito de sonho, ardente e perfumado,
Que levanta as visões dormentes do passado...
Assim, alva e serena, assim misteriosa,
Com teu lindo perfil de branca intemerata,
És como uma grácil moira voluptuosa,
Rebuçada, ao luar, no seu morghot de prata.

João Lúcio
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)

Fotografia de Jorge Florêncio
Senhora Da Rocha

Quadras

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Uma mosca sem valor
poisa, c'o a mesma alegria,
na careca de um doutor,
como em qualquer porcaria.
.
Num arranco de loucura,
filha desta confusão,
vai todo o mundo à procura
daquilo que tem à mão.
.
Vinho que vai pra vinagre
não retrocede o caminho;
só por obra de milagre,
pode de novo ser vinho.
.
Forçam-me, mesmo velhote,
de vez em quando, a beijar
a mão que brande o chicote
que tanto me faz penar.
.
Gosto do preto no branco,
como costumam dizer:
antes perder por ser franco
do que ganhar por não ser.
.
Não sou esperto nem bruto,
nem bem nem mal educado:
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.

António Aleixo, em "Este Livro que Vos Deixo..."
(Vila Real de Santo António, 18 de fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de novembro de 1949)

69 Poemas de Amor

 

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Escultura e dança: o meu corpo
No chão do teu corpo: um combate
Contra a morte. Quando sou escultura,
Danças. Quando, em sossego, me acolhes,
Respiro. Depois hesito, murmuro e caio
No abismo. Silêncio. Súbito
Um sismo. És tu quem se desfaz
Enquanto em teus vasos me derramo.
O caos em movimento.
Cavalgas uma onda.
Mergulho numa fenda.

Casimiro de Brito, em "69 Poemas de Amor", 2008,
(Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)

Expressões do falar algarvio

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Apesar de algum desuso, os algarvios continuam a usar expressões e palavras que só os locais entendem com facilidade. É quase como se fosse um dialeto regional, em que expressões da língua nacional são transformadas e readaptadas à realidade local. Nas zonas rurais, devido ao prolongado isolamento a que o Algarve esteve sujeito, estes fenómenos linguísticos têm mais nítidas diferenciações, como nota Eduardo Brazão Gonçalves, autor do 'Dicionário de Falar Algarvio', mas no litoral, no Sotavento, no Barlavento ou em comunidades, há expressões e palavras que só entende quem de lá é, sem a ajuda de tradução.

Fonte:http://www.inalgarve.net/#!blank/dqxlc

A paixão da cor

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Cor, filha da Luz, é uma língua em tons
Que fala, sem rumor, à curva da retina...
Como há para o ouvido a palavra e os sons,
Nasceu para o olhar esta harmonia fina.

Escorre sobre o campo, empapuçando tudo
N'um brilho rumoroso, ardente de alegrias;
Palpita nos cetins, ondula no veludo
E fulge encarcerada em finas pedrarias.

Em toda a parte põe a asa transparente:
No mar, nos vegetais, nos montes, nos pallores...
No nosso sangue a Cor murmura intensamente,
Sugam-na p'los jardins as sequiosas flores.

Faz o cenário rubro e amplo da alvorada,
Espalha pelo Ar um pó alado e loiro,
Torna a agua do mar suave e azulada
E talha, no poente, arquiteturas de oiro.

Sonoramente vibra, em rubro, sobre os cactos:
Tem um ar de saudade, em roxo, nas violetas:
É meiga no azul dos lagos e regatos,
As azas de cetim salpica ás borboletas.

.
João Lúcio
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)