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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Sonata do Coração

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E tudo são conchas
animais harmoniosos
antiquíssimos
que podiam ser outra coisa
de outra maneira
se um grão de areia
ou uma pequena boca aberta
se tivesse metido no seu caminho
se uma batalha e tantas há
tivesse mudado
naquele momento
o seu percurso

Casimiro de Brito, "Sonata do Coração" (inédito)
(Loulé)

Fotografia de Isaura Almeida
(Faro)

 

Pontos Luminosos

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18
Há livros onde leio sem cessar. E deles pouco sei. Como saber, de um homem ou de uma árvore, alguma coisa?

37
Leio pouco e cada vez menos. Nos livros. Na letra circundante vou lendo, cada vez mais lentamente, o tempo que passa.

54
Livros são árvores e ponho-me a caminhar pelas suas raízes e tronco e ramagens. Uma prova em que bebo quando gosto, gotas, mil gotas, bebedor obsessivo de fragmentos. Restos ou nem isso — restos que se abrem em luz múltipla. Colhê-los nos livros compactos requer paciência e a bondade do bebedor, que nem sempre tenho. Nem sempre sei sentar-me à pesca quando outros amores me chamam.

65
Alguns livros têm asas. Outros são redondos como calhaus polidos. Falo dos bons livros. Uns e outros murmuram e blasfemam porque não encontro um tempinho para eles. Há quanto tempo não leio os poemas do Li Bai? Interrompo, vai ser agora mesmo, vamos ao parque.

66
Faço e desfaço o livro que me faz e desfaz.

84
Único livro que não se pode reler: o da vida.

205
Ainda não aprendi a ler. Se me falta um livro falta-me quase tudo. E um livro pouco mais do que nada é. Seja como for estou desejando de acabar esta viagem para me tecer com “A arte de amar”, de Ovídio

231
Um livro? Um rio. E do rio que dizer? Leio nele.

246
O que faço quando não faço nada? Se respondesse a esta questão escreveria um livro infinito.

263
Viajo no caminho dos livros como quem atravessa rios e países e homens e outros animais.

269
Escrevo. Escrevo sempre. E meto as coisas que escrevo em caixas. Tenho mais de vinte. Livros?

287
De que vale um livro (ou um poema ou um aforismo) se não tem silêncio dentro dele?

Casimiro de Brito, em “PONTOS LUMINOSOS”
(Loulé - Algarve, 14 de janeiro de 1938)

Fotografia de Casimiro de Brito