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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

O Meu Algarve ...

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Tu que mostraste aqui mais do que em toda a parte
O intenso poder do teu génio fecundo,
Que fizeste este Céu para inspirar a Arte
E lhe deste por isso o melhor sol do mundo:
Ensina algum pintor a fixar nas telas
Este brilho, esta cor, inéditos, diversos,
E põe a mesma luz que chove das estrelas
Na pena que debuxa estes humildes versos.

João Lúcio, (O Meu Algarve, 1905)
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)

Cartaz criado pela página RUMO AO SUL com fotografias de Pedro Cabeçadas

 

Alentejo


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Folheia-se o caderno e eis o sul
E o sul é a palavra. E a palavra
Desdobra-se
No espaço com suas letras de
Solstício e de solfejo
Além de ti
Além do Tejo

Verás o rio e talvez o azul
Não o de Mallarmé: soma de branco e de vazio
Mas aquela grande linha onde o abstracto
Começa lentamente a ser o
Sul

Outro é o tempo
Outra a medida

Tão grande a página
Tão curta a escrita

Entre o achigã e a perdiz
Entre chaparro e choupo

Tanto país
E tão pouco

Solidão é companheira
E de senhor são seus modos
Rei do céu de todos
E de chão nenhum

À sombra de uma azinheira
Há sempre sombra para mais um

Na brancura da cal o traço azul
Alentejo é a última utopia

Todas as aves partem para o sul
Todas as aves: como a poesia

Manuel Alegre, "Alentejo e ninguém"

Fotografia - Monsaraz - Alentejo por Ricardo Zambujo Photography
 

Terra onde nasci...

 

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Ó terra onde nasci, Algarve da Legenda,
Velho Senhor do mar, namorado da Cor,
Onde em noites de sonho, em ternuras de lenda,
O luar branco beija a amendoeira em flor!

Quisera-te cantar, numa alta expressão
De artístico recorte e mágica beleza,
Com versos em que houvesse a fina sedução
E o gracioso lavor das rendas de Veneza.

Mas fica-se-me a voz humílima, sem brilhos,
Apenas no esboçar de um desgarrado canto,
E eu tenho de pedir-te, ó berço dos meus filhos,
Perdão por não saber falar do teu Encanto.
(excerto)

.
João Braz, em "Esta Riqueza Que o Senhor Me Deu..."
(S. Brás de Alportel-13 de março de 1912 \ Portimão - 22 de junho de 1993)

Cartaz realizado com fotografias de Pedro Cabeçadas

A Lenda do Menino dos Olhos Grandes -Olhão

 

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Isto é uma história muito antiga. Já os meus avós me contavam esta história que era uma história sobre uma lenda de Olhão.
E a história dizia: contavam as pessoas, de Olhão claro, que aparecia um menino num bairro de Olhão. Olhão tinha vários bairros. Na altura era uma vila, uma cidade de pescadores. A esse menino chamavam-lhe Menino dos Olhos Grandes. As pessoas que lá viviam viram uma vez, uma noite à meia-noite, uma criança que se sentava num canto de uma rua sempre com um cesto de verga no braço. Eram pessoas pobres e usavam aqueles cestos. Todas as noites o menino aparecia naquela rua, até que uma noite uma mulher, por curiosidade, foi ao pé dele para ver melhor, para saber quem era aquele menino, que achavam estranho um menino na rua aquela hora. Então a mulher, depois de se aproximar do menino, viu que era um menino pequenino mas que tinha uns olhos muito grandes, e tentou pegar nele mas não conseguiu porque ele era muito pesado. Ela achou estranho mas não pôde fazer nada: o menino não saía do lugar. Então ela começou a passar esta história e a contar às pessoas o que lhe tinha acontecido, e a partir de ai começou a dizer-se que em Olhão havia um menino encantado, porque todas as noites lá estava o menino. As pessoas tentavam pegá-lo mas ninguém conseguia. E por isso, por causa desta história, assim que começava a anoitecer as pessoas tinham medo de sair à rua porque diziam que o menino tinha um encantamento e então tinham medo de ir para a rua, porque até havia pessoas que diziam que por causa do tamanho dos olhos grandes dele, tinham medo. Haviam pessoas que diziam que o menino só de olhar para as pessoas podia matá-las. E então as pessoas, como tinham medo, não iam para a rua.
Diziam as pessoas que o menino não parava de chorar, e os pescadores à noite, quando vinham do mar, pegavam-lhe ao colo com pena. O que acontecia era que o menino começava a pesar muito e os marítimos deixavam-no cair com o peso. Quando caía no chão, desaparecia com se fosse um encantamento.

http://www.lendarium.org/narrative/a-lenda-do-menino-dos-olhos-grandes-6/?tag=956
Fonte Biblio AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) Faro,

Fotografia da estátua do "menino dos olhos grandes" em Olhão

ALTE - LENDA


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Diz a lenda que Alte surgiu de um desentendimento entre uma lavradeira rica na região e o padre. Quando um dia não a deixou entrar na igreja, esqueceu-se dela para a missa. Aí ela decidiu então erguer uma nova igreja já que era rica, uma nova igreja e uma nova povoação. E essa igreja e essa nova povoação seriam erguidas precisamente no sitio onde ao saber dessa noticia do padre ela disse: - Alto!
Vai daí, Alte surgiu no sitio onde a tal senhora disse alto, era lá no sitio onde hoje é Alte. E assim surgiu Alte essa aldeia algarvia.

Fonte Biblio AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) Faro, n/a,
(através de Raúl Alvito)

Fotografia da Igreja Matriz de Alte
 

Baía do Porto Covo


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Frente a ti, baía de Porto Covo
Sonhei talvez tudo o que tenho agora
Por isso te contemplo e me comovo
Sempre voltarei, pela vida fora

Na tua frente não, não me demovo
De me extasiar com a Natureza
Em ti explode e transcende de novo
O encanto da infinita beleza

Diz-me se ainda existe a fontezinha
Que me matava a sede ao sol pôr
Aí por mero acaso ou sorte minha
Alguém me saciou sede de amor

Com tuas águas transparentes, puras
Para mim foste a confidente única...
Este poema eivado de canduras
É para ti, ó baía mediúnica.

Maria Vitória Afonso, em "Contos e vivências do sudoeste alentejano"
(através de Raúl Alvito)

Fotografia - Costa Alentejana.Porto Côvo por Bruno Palma

 

Utopia!

 

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Se pudesse mudar o mundo
seria sempre primavera
e flores perfumariam toda a terra!
Todos teriam liberdade,
só se falava VERDADE.
Todo o ser teria pão,
trabalho, saúde , felicidade
paz e amor no coração.
O Homem daria a mão ao semelhante,
tudo seria diferente.
Não haveria crime nem maldade
nem tanta desigualdade.
As crianças brincariam livremente,
não importa a cor da pele
nem se são pobres ou ricos.
E os olhos iluminados
de esperança , fraternidade.
Um mundo sem guerra, ditadores;
sem sofrimento e sem dores.
Sei que sonho uma utopia,
mas era o mundo que eu queria!
E faria uma lei, unicamente,
Aqui, somos todos iguais; gente!

Alcina viegas
(Tavira)

Arte - Eleitão Eduardo (Algarve)

No centro do mundo

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Oscilante geometria tranquila
presença suficiente do ínfimo e do amplo
No centro do tempo não há tempo

Tranquilidade para ir ao encontro de
Estou dentro estou aberto habito
um limpo rosto de desconhecida frescura
(...)

António Ramos Rosa
(Faro, 17 de outubro de 1924 – Lisboa, 23 de setembro de 2013)

Fotografia - Praia dos Arrifes, Albufeira, por Eurídice Cristo

O Amor

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Deus — talvez esteja aqui, neste
pedaço de mim e de ti, ou naquilo que,
de ti, em mim ficou. Está nos teus
lábios, na tua voz, nos teus olhos,
e talvez ande por entre os teus cabelos,
ou nesses fios abstratos que desfolho,
com os dedos da memória, quando os
evoco.
(...)

Nuno Júdice, em "Cartografia de Emoções" (2001)
(29 de abril de 1949 . Mexilhoeira Grande)

Arte - Clara Andrade
(Portimão)


Lenda das Amendoeiras em Flor

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Há muitos e muitos séculos, antes de Portugal existir e quando o Al-Gharb pertencia aos árabes, reinava em Chelb, a futura Silves, o famoso e jovem rei Ibn-Almundim que nunca tinha conhecido uma derrota. Um dia, entre os prisioneiros de uma batalha, viu a linda Gilda, uma princesa loira de olhos azuis e porte altivo. Impressionado, o rei mouro deu-lhe a liberdade, conquistou-lhe progressivamente a confiança e um dia confessou-lhe o seu amor e pediu-lhe para ser sua mulher. Foram felizes durante algum tempo, mas um dia a bela princesa do Norte caiu doente sem razão aparente. Um velho cativo das terras do Norte pediu para ser recebido pelo desesperado rei e revelou-lhe que a princesa sofria de nostalgia da neve do seu país distante. A solução estava ao alcance do rei mouro, pois bastaria mandar plantar por todo o seu reino muitas amendoeiras que quando florissem as suas brancas flores dariam à princesa a ilusão da neve e ela ficaria curada da sua saudade. Na Primavera seguinte, o rei levou Gilda à janela do terraço do castelo e a princesa sentiu que as suas forças regressavam ao ver aquela visão indiscritível das flores brancas que se estendiam sob o seu olhar. O rei mouro e a princesa viveram longos anos de um intenso amor esperando ansiosos, ano após ano, a Primavera que trazia o maravilhoso espectáculo das amendoeiras em flor.

Fonte: Lendas e Tradições
http://lendasetradicoes.blogs.sapo.pt/13333.html
Mosaico fotográfico elaborado por Filipe da Palma

 

O Meu Reino

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No meu reino sinto-me rainha,
a coroa é de flor de laranjeira,
cabelos cor de espiga madurinha,
a boca de romã, sorri brejeira...
No meu reino o mar é o senhor,
pode ser guerreiro altivo, com clamor,
ou cavaleiro gentil de mansas ondas
onde me deito,gaiata, sem pudor,
nas brancas , maravilhosas rendas
que enfeitam a areia, seu amor.
No meu reino nem tudo é felicidade,
mas é aquilo que os meus olhos veem,
a luz, a cor, os perfumes, os sabores,
as casas velhinhas, sem idade,
fazem-me esquecer os dissabores,
e comigo apenas guardo a saudade.

Alcina Viegas
5-01-2017
(Tavira)

Fotografia de Jorge Florêncio

Senhora da rocha

 

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Tu não estás como Vitória à proa
Nem abres no extremo do premonitório as tuas asas
Nem caminhas descalça nos teus pátios quadrados e caiados
Nem desdobras o teu manto na escultura do vento
Nem ofereces o teu ombro à seta da luz pura

Mas no extremo do premonitório
Em tua pequena capela rouca de silêncio
Imóvel, muda inclinas sobre a prece
O teu rosto feito de madeira e pintado como um barco

O reino dos antigos deuses não resgatou a morte
E buscamos um deus que vença conosco a nossa morte
É por isso que tu estás em prece até ao fim do mundo
Pois sabes que nós caminhamos nos cadafalsos do tempo

Tu sabes que para nós existe sempre
O instante em que se quebra a aliança do homem com as coisas
Os deuses de mármore afundam-se no mar
Homens e barcos pressentem o naufrágio

E por isso não caminhas cá fora com o vento
No grande espaço liso da luz branca
Nem habitas no centro da exaltação marinha
O antigo círculo dos deuses deslumbrados

Mas rodeada pela cal dos pátios e dos muros
Assaltada pelo clamor do mar e a veemência do vento
Inclinas o teu rosto

Imóvel muda atenta como antena

Sophia de Mello Breyner Andresen, no livro "Geografia"

Fotografia - Capela Senhora da Rocha por Jorge Florêncio

Lendas Algarvias - As Mouras do Rio Seco - Faro

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Muito próximo de Faro existe o leito de um rio, o rio Seco, como lhe chamam as gentes, que é tido e havido como a principal sede de mouros e mouras encantados nos arredores daquela cidade.

No tempo da conquista do Algarve, porém, ainda esse rio corria manso para o oceano, possibilitando a sua utilização plena pelos mouros da região, que, logicamente, o usaram para os seus encantamentos, como vamos ver.

Numa noite de Primavera, dias depois da tomada de Faro, passava um cristão muito perto do hoje chamado rio Seco, quando ouviu umas vozes tristes, num tom manso de quem deseja não ser ouvido.

Era meia-noite e o homem teve medo.
Parou para não fazer restolhada e denunciar-se, e pôs-se à escuta. Daí a nada apercebeu-se que eram dois mouros, um velho e uma rapariga.

Esta estava de joelhos e parecia suplicar qualquer coisa. E ouviu então, distintamente, a voz angustiada do velho dizer:
- Não pode ser, minha filha, não pode ser .. Tens de ficar aqui encantada!

- Mas por muito tempo, pai? - perguntava a rapariga com uma voz que se pressentia entrecortada de lágrimas.

- Até que esta nora, onde mandei construir o teu palácio, seja esgotada a baldes, sucessivamente e sem intervalos.

E ao mesmo tempo que dizia isto fez uns sinais cabalísticos sobre a cabeça da filha, olhando a lua que corria os céus deixando aqui e ali uma poalha fria e brilhante.
E a moça, sem mais palavra, sem um ai sequer, deixou-se lançar ao fundo da nora. Tão concentrado estava o cristão no que se passava na nora, tentando perceber bem o que acontecia à moura, que nem deu pelo afastamento do velho.
Por isso, quando quis segui-lo, não o viu nem conseguiu determinar qual a direção que seguira.

Na manhã seguinte, a primeira coisa que o cristão fez foi voltar ao local da cena da noite anterior.
Viu então que a nora era já um engenho velho e usado, com ar de abandonado há muito.
Tratou de saber a quem pertencia engenho e terreno e comprou-os sem regatear preço.
Mandou construir, mesmo ao lado, uma cabana de junco e mobilou-a com alguns móveis.
Passado o tempo necessário aos preparativos, o homem começou a tirar a água da nora, com o auxílio de um grande balde e de um sistema de roldanas.

Trabalhou naquela faina dia e noite, horas infindas, sem parar.
E quando a água do fundo era tão pouca que nem dava já para encher um balde, desceu pela corda até lá abaixo.
Porém, assim que assentou os pés no fundo, apareceu-lhe uma enorme serpente, vinda de um buraco que comunicava para a nora.

Ficou tão aterrado, tão cheio de um pânico sem nome, que nem tratou de saber as intenções do bicho e subiu precipitadamente pela corda, fugindo a sete pés.
Nunca mais lá tornou, mas, dias depois, soube que a nora estava completamente entupida devido à derrocada das paredes, e que a cabana por ele construída fora queimada inexplicavelmente, em certa noite de luar.

Daí em diante, até hoje, fala-se no aparecimento de uma moura encantada naquele lugar do rio Seco.

http://nossoalgarve.blogspot.pt/2011/06/lendas-algarvias-as-mouras-do-rio-seco.html

Fotografia do Rio Seco em Faro

Janeiro Frio

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Vai frio o janeiro, vai ventoso e frio.
De muitas maneiras, de fio a pavio,

Me fugiu a sorte, sem pena e sem dó,
No Ano findado, que Deus já levou.
Eu gosto da vida, mas nem sempre só.
Não vou me queixar, porque o rio secou,

Mas pena eu tenho das asas partidas,
Dos sonhos roubados por almas impuras,
Que forças me deram, mas foram perdidas
No salto que dei pra chegar às alturas.

O motor das guerras é sempre o dinheiro,
Poder e ganância, que são crueldades.
Das lutas da vida, eu sou prisioneiro
E a feira do mundo só vende vaidades.

Faro, 05-01-2017
Tito Olívio

Fotografia de Jose Manuel Guerreiro Guerreiro

Pontos Cardeais

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Meu Norte interior, evanescente
Só atingido em pleno
Pelo regresso à minha terra ao Sul
A Leste as emoções outrora inacessíveis ...
Aceito o Poente, o derradeiro ocaso,
Nos belos tons crepusculares
Como um destino longínquo a longo prazo.
A Alegria Procuro em êxtase sem quaisquer planos
Na música, nas viagens, na poesia
E no meu Alentejo, lá mesmo a Sudoeste
Sair da letargia
É viver em apoteose aleatórios anos.

Maria Vitória Afonso, em "Contos e vivências do sudoeste alentejano"
(através de Raúl Alvito)

Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

 

Ouvi o meu tempo...

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Ouvi o meu tempo no som dos restolhos
Que beijam encostas da terra de mim.
Depois, encontrei pedaços, sem fim,
Da serra que foi meu vestido de folhos.
.

Os ventos levaram antigos abrolhos,
Ficaram as urzes com tons de carmim
E beijos perdidos, dançando em festim,
Por entre a folhagem que abriga meus olhos.
.

E tudo na vida tem hora marcada,
Os sonhos submergem da terra lavrada
Ao som da memória que invade a distância.
.

Ouvi o meu tempo, calquei os meus ais
Na base da serra que foi de meus pais
E guarda, em sacrário, meus ecos de infância.

Glória Marreiros
(Monchique)

Fotografia de Monchique por Isaura Almeida

Poeta

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Discreto,
alma
sensível à dor...
nas suas
criações poéticas
o poeta
é sonhador!...
Entrega-se
com emoção,
o sentimento
o conduz,
na poesia reflete
o brilho
que a alma produz...
coloca paixão
nas palavras,
adiciona-lhe inspiração...
depois
de tudo envolvido,
aparece
a criação!
São
criações poéticas
do poeta
Sonhador!

Mª da Graça Dordio Dimas
(Olhão)

Fotografia de José Manuel Guerreiro - (por do sol em Quarteira)

 

Oh sol!

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Oh sol que pões no Céu um brilho violento
E fazes chamejar, ao longe, os horizontes;
Que pões fogo no ar e pões brasas no vento
E que vais calcinar a epiderme aos montes:
 
Oh sol
Adoro a tua luz vigorosa e sadia,
Que moldura no campo a música das cores,
Que rega, em nossa alma, os cactos da Alegria
E esculpe na semente os bustos das flores:
 
Oh sol
Cai-me sobre o olhar: banha-me em teu fulgor,
Oh sol que pões no Céu um latejante azul:
Dá-me a tua alegria e dá-me o teu vigor,
Oh sol, imortal sol, do meu país do Sul…
 
João Lúcio, (O Meu Algarve, 1905)
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)
 
Fotografia - Praia de Faro por Diamantino Inácio

Um Conto de Natal

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1984

Quando a noite chegava, levava o banquinho para a porta da rua e, enquanto a avó acabava uma camisola para o seu tio Miguel, que andava na tropa, entretinha-se a embalar a sua Nila. Era assim que se chamava aquela boneca de trapos, da qual gostava tanto! - feita pela avó e pela avó deixada na botinha em cima do fogão, numa noite de Natal. Quanto tempo já passara.. mas como todos nós, ela também tinha recordações e com elas se aproximava da infância, quando queria. Nesse tempo já esfumado, o Natal enchia-a de interrogações e de espanto…

Um dia arranjou coragem e resolveu descobrir o segredo do Natal. Queria ver com os seus olhos o Menino Jesus, - e quem o não quer? Já de camisinha de alças… não se lembrava do pijama de flanela, estampado… comprado na feira, mas da camisinha de alças que quase sempre lhe cobria a nudez, devido à doçura do clima. Pronta para se deitar, trepou pela cadeira alta e apertou a torcida do candeeiro a petróleo - colocado sobre a meia-lua da mesa redonda da sala comum, ficando, assim, com menos luz. Na memória não aparece ninguém. Como pode ignorar a avó e o avô? Certo, certo, é que saltou para a grande cama e ali ficou, de olhos muito abertos para espantar o sono. A avó, - agora, sim, veio junto dela para lhe aconchegar a manta e com ela rezar.

“Padre Nosso pequenino
Quando Deus era Menino
Pôs o pé no seu altar
Com o sanguinho a pingar

É já a Noite Santa
Já o galo se levanta
Já Jesus subiu à cruz
Para sempre
Ámen Jesus”

E como ainda se mostrasse com espertina, a avó lá prosseguiu:

“Cruz em monte
Cruz em fonte
Que o pecado
Não me encontre
Nem de noite
Nem de dia
Padre Nosso
Ave Maria”

Talvez mais uma reza, e a sua mocinha pegasse no sono.

“Anjo da Guarda
Minha companhia
Guardai minha alma
De noite e de dia”

“Não quero dormir", - dizia para si própria, tentando vislumbrar pelas pestanas entreabertas, agarrafa de vidro azul com florinhas brancas em relevo. “ Quero ver o Menino Jesus! Os olhos, habitando-se à penumbra, iam contornando os cálices de igual cor. Porém, mal a avó virou costas, levantou-se de mansinho e, pé ante pé, deu com ela própria a atravessar as cortinas de cretone florido, colocadas como barreira de divisões mais íntimas. Já na cozinha, à direita, o poial de pedra e sobre ele, em repouso, a grande talha de barro vidrado com uma torneira centrada no bojudo ventre. O que teria dentro? Água? Não! - tinham-na canalizada. Azeite? Tremoços? Carne de porco salgada? Atum? Talvez fosse um depósito para a água, em dias de falta! Talvez, quem
sabe? Ou fosse para tudo ou fosse para nada, sabia lá!

Josefa de Lima, em "O Casapiano"

Fantasia de Natal

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Já tive belos Natais
Pinheiros de fantasia
Muitas loiças e cristais
Muita, muita alegria

Muitas festas e vestidos
Muitas rendas, muitos laços
Já tive muitos sorrisos
Muitos beijos e abraços

Mil frutas, bombons e passas
Rosas brancas e um jasmim
Cem melodiosas valsas
Todas valsadas por mim

Tive cordas e palhaços
Que me faziam sorrir
Lindas bonecas de trapos
Um Pierrô e um Arlequim

Este Natal já não tem
Pinheiros de fantasia
Nem prendas, nem alegria
Nem carinhos de ninguém

Adeus festas e vestidos
Beijos e abraços amigos
Bonequinhas e palhaços

Meus Natais, Natais antigos
Nunca sereis esquecidos
Adeus rendas, adeus laços

Josefa de Lima, em "Meus Versos Rimados"
(Vila Real de Santo António)

Poema de amor ao ano que vai passar

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Podíamos ter sido tão felizes!
Tínhamos tudo para isso – ou quase tudo:
Este caloroso Sol que nos penetra até aos ossos
este esplêndido céu azul
a que daríamos mais valor
se vivêssemos na China
(pergunta à Deolinda!)
estes doces cerros ao perto e ao longe
que fascinam os estrangeiros das planícies
este rio Tejo que é quase um mar
debruado por macias margens e casas e montes
e até um castelo!
E à mão de semear
isto é: de cheirar e olhar
e de nos banharmos
o mar à sério!
Quem disto se pode gabar por esse mundo fora?
Pobres alemães, tão ricos de dinheiro e organização
e tão pobres de Sol e Mar!
Não lhes queria estar na pele.
A minha pele precisa do contacto do nosso mar
e do nosso Sol!
Sem eles sente-se viúva!
E contudo algo falhou na nossa relação,
meu querido Ano Findo!
Vou tentar namorar melhor com o Novo Ano.
Não tenhas ciúmes! Vamos ficar amigos.
E vem ver-me às escondidas dele
que mais não seja
em sonhos!
Talvez então nos conjuguemos de verdade!

Teresa Rita Lopes
(Faro)

Cartaz realizado com fotografia de José Manuel Guerreiro
(Quarteira)

 

Chega o Ano Novo

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Caminha o Novo Ano tão depressa.
A festa já o espera em plena rua.
O fogo-de-artifício esconde a lua
e deixa a natureza quase avessa.

Há copos tilintando na travessa
da vida, que se apraz e não recua.
Os brindes são silêncio que acentua
os laivos de alegria e de promessa.

Folias que se avultam neste povo,
que gasta o que não tem, por algo novo,
na busca de encontrar uma vitória.

Sozinho vai partir o Ano Velho.
Ninguém escuta já o seu conselho,
Que os velhos, para os novos, são história.

Glória Marreiros
(Monchique)
Fotografia - Serpa por Ricardo Zambujo

Pés na Terra

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Fiquei preso nos aros dum abraço,
Na forja dum fogacho sem ter lume.
Nem sempre é preciso ir ao cume
Pra atar o mundo todo em nosso laço.

A vista, lá de cima, perde o traço
E o ar da tarde fria tem perfume.
Se quero ver se o mar me dá cardume,
Não vou subir ao alto, lá no espaço.

Pensar, tal como sente o coração,
É dar salto sem asas do avião,
Que o chão é duro e parte-se o nariz.

É bom ter pés na terra e olho aberto
E pôr o nosso barco em rumo certo
Pra termos fim de vida mais feliz.

Faro, 02-12-2016
Tito Olívio

Fotografia da página Portimão, Você Está Aqui