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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

No orvalho dos mastros desta nau

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No orvalho dos mastros desta nau
Teço uma teia de seda fina
E na sua geometria radial
Filha dos cavaleiros das águas
Faço as asas do vento migrante

Na luz do quarto minguante do luar
Por entre a luz e a penumbra
Construo candelabros de cristais
E nos seus quadrívios temporais
Lanço os raios e os relâmpagos
Para alumiar todos os mares perdidos

Traço um mapa das estrelas cadentes
Nas trevas do chão de arbustos bravos
E nas suas tangentes de fogo
Filhas de labirintos e incógnitas
Refaço o sangue nas veias e artérias
E continuo em rotação sincronizada
Na geometria celular da minha epiderme
Até que as forças centrífugas
Me devolvam à nudez do infinito

Fernando Reis Luís
(Monchique)

Fotografia de Vitor Pina - Photography
(Portimão)

Pensando, pensando

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Havia uma luz estampada no teto,
Fenómeno estranho, mas muito completo.

E eu via um olho fixado em mim,
Tirando-me o sono, como um vigilante.
Fosse eu rei mago ou cavaleiro andante,
Julgava ser anjo ou um Serafim;

Ou fada madrinha fazendo um sinal;
Podia ser ovni ou astro perdido,
Uma alma penada sem luz nem sentido;
A nada, porém, aquele olho era igual.

Meus Deus! Que seria? Pensava, sem sono.
Imóvel, a mancha luzia no escuro,
Colada no teto, qual figo maduro,
De rabo entre as pernas como um cão sem dono.

E eu, que só vivo de amor e de paz,
Pensando, pensando, de todo incapaz.

Faro, 24-01-2016
Tito Olívio

Fotografia de Pedro Cabeçadas

(Faro)

Vem sentar-te comigo

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Anda, vem sentar-te comigo
nesta falésia, anda ver o mar
sentados devagar sob a copa deste pinheiro
como se não houvesse mais espaço
para preencher. Anda, vem ouvir a nuvem
aproximar-se do ouvido; o começo
da outra vida
de que somos ao mesmo tempo
anfitrião e visita. “O começo é tudo”,
dizia Miró, e tudo
são começos. Anda ver o mar
no rosto da nossa filha, nesta bela paisagem
que nunca mais acaba, nunca mais
nos cansamos nem
descansamos. Anda,
vem sentar-te comigo
neste banco de pedra no alto
da falésia, onde não sei
se o corpo acaba
ou recomeça.

Casimiro de Brito, "Livro das Quedas"

Fotografia - Bordeira por Vitor Pina - Photography

A Festa do Silêncio

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Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.

Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.

Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.

António Ramos Rosa, em "Volante Verde"
(Faro)

Fotografia de Eurídice Cristo - Faro

PORTAS ALGARVIAS

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A arquitetura tradicional algarvia reflete a história, o gosto popular e as necessidades das gentes do sul.
As portas tradicionais são em madeira e quase sempre apresentam postigos que, nas portas trabalhadas, são protegidos e enfeitados por gradeamentos em ferro forjado.
A altura das portas, pode acompanhar a dimensão da casa, verificando-se em muitos casos portas de casas térreas demasiado baixas e portas de grandes dimensões nas casas de dois pisos.

As casa dos nossos avós tinham portas assim....

Portas em Faro - Fotografia de Martyna Mazurek fotografia

E se tudo isto não fosse bem assim?

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E se tudo isto não fosse bem assim?
Se não fossem os riachos aquilo que julgamos ser;
Corpos de água em movimento…

E se a brancura fosse apenas a ausência de cor e o silêncio
(que de facto não existe)
Nada mais fosse que a espera do regresso da tua voz…
E se morrer, meu amor, fosse somente o terror de te sentir distante?

Mas, tudo é de facto bem assim; vivo de facto…
Quando te vejo chegar, ao longe, lá mais adiante,

Manuel Neto dos Santos, "Círculo de Fogo"
(São Bartolomeu de Messines)

Fotografia de Filipe da Palma