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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Dias de então

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Há muito partiram os dias de então,
Com a tabuada cantada ao serão!
Quase nada resta a não ser o verão,
Das tardes brincando jogando ao pião…

Alfarroba torrada, azeite no pão,
Broa amassada, chouriço de porco,
Castanhas cozidas, couve coração
Eram os petiscos, sabiam a pouco

E na noite, na soleira da porta
fazia fresquinho, vinha da horta,
contavam-se contos de fazer medo.

Era um silêncio dentro da casa
Geladas as mãos, coração em brasa,
Rezavam Pai Nosso, mas em segredo.

 

Alcina Viegas
(Tavira)
Fotografia (Algarve antigo) por Artur Pastor

Aguardente de Medronho

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Aguardente de Medronho é tradição secular em Monchique

A aguardente de medronho faz parte da identidade cultural e gastronómica da vila de Monchique e representa uma tradição secular que tem vindo a passar, religiosamente, de geração em geração.
http://algarvevivo.pt/aguardente-de-medronho-e-tradicao-secular-em-monchique/

Tudo indica que esta aguardente começou a ser produzida de forma artesanal, para fins medicinais, pelos Árabes em Monchique, por volta do século X. Em 1940 existiam em Monchique 55 alambiques e 3 mercadores de licores (Gascon). Em 1905 existiam em Loulé 61 fabricantes de aguardente (Ataíde de Oliveira).

Que lindo medronho

1 - tem flores branquinhas
este medronheiro
com muitas folhinhas
todo o ano inteiro.

Refrão
é verde, amarelo
é fruto de sonho
redondo tão belo
vermelho o medronho.

2 - sem folhas nem ramos
no cesto lá ponho
e juntos cantamos
ao lindo medronho.

3 - de encostas a pique
nos campos da serra
a bela Monchique
é a nossa terra.

4 - e o tempo passado
numa cura lenta
o mosto é dourado
enquanto fermenta.

5 - aromas já lega
na dorna dormindo
no frio da adega
o março vem vindo.

6 -fogueira que arde
sob o alambique
de noite e de tarde
em toda a Monchique.

7 - no cântaro corre
e fico risonho
quando ele escorre
já puro medronho.

8 - o pão com choriça
também nos atesta
depois desta liça
que venha a festa.

Fernando Reis Luís
(Monchique)
Canção criada para o Grupo Coral da Confraria do Medronho "Os Monchiqueiros"

Serei

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Serei minúscula gota de água
na garganta de uma ave
ou na corola de uma flor

serei incandescente poalha
na cauda de um cometa
e aterrarei no magma
adormecido numa praia qualquer

serei minúsculo grão
no seio de uma ostra que me cinge
em concêntricos abraços
com seu pranto alcalino

pérola serei
na rede dos mergulhadores
para riqueza e sustento de todos

serei
húmus raiz caule flor fruto
a colher por quantas mãos abertas
serei semente e pão
para todas as bocas do mundo

Josefa Lima

Lenda para Lagoa

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Naqueles tempos antigos,
Em tempos que já lá vão,
Viviam como inimigos
Os Povos moiro e cristão.
Era a guerra sempre acesa,
Tremenda, brava e cruel,
E, ao redor, a natureza,
Se tinha gosto, era a fel.

Quando a luta se travava,
Por dias, meses, semanas,
O valor nunca faltava
Nas batalhas sobre-humanas.
Então o sangue corria,
Tinto já de maldição,
E de vermelho tingia
A cor cinzenta do chão.
Até uma fonte umbrosa,
Que vivia a sós e langue,
Tinha a lágrima chorosa,
Vermelha da cor do sangue.
Amainava a tempestade
Das batalhas figadais
De intestina crueldade,
Por momentos, nada mais.
Logo voltava mais forte,
Farta, feroz e fecunda,
Dando a vida à própria morte,
Cavando a vida mais funda,
Porque o Deus mandava assim
- Moiro Allah, Luso Cristão -:
Quem morresse nesse fim
Mais vida teria então.
Mas um dia... há sempre um “mas”
Vivendo dentro da gente...
Alguém viu renascer as
Horas de paz, finalmente.

É porque de Estômbar vinha
Uma veloz cavalgada,
Sem nenhum preceito ou linha,
De fugida, à desfilada.

Fora além arremetida
Por El-Rei de Portugal;
Desbaratada e vencida,
E desfeita, por seu mal.
De pronto a gente cristã,
Já feito o sinal da cruz,
Via num outro amanhã,
Renascer uma outra luz.
Tantos sóis de sofrimento
Deviam ter seu ocaso,
Pois que a dor mais o tormento
Ao sorriso deram aso.
Porém, não foi tanto assim,
Porque logo ao outro dia,
Pela voz dum muezim,
Uma voz de Além dizia:
Vós outros que nos vencestes,
“Por mor de força cruenta,
“Não sabeis, gentes agrestes,
“Quanta dor, quanta tormenta,
‘Vos espera no futuro...
Era o som cavo e profundo
Que vinha - se bem me apuro -
De bem longe, de outro mundo...
“Há-de chover tanto mal,
“Tempestades, terramotos,
“Que heis-de viver, afinal,
“Atormentados e ignotos.
“E a moura, que levais presa,
“Não há-de ser vossa, não!
“Não há-de ela ser riqueza
‘De algum príncipe cristão...
A voz se finou, depois,
Aos ouvidos dessa gente,
Porque lá dos altos sóis
Deus Allah, abruptamente,
Emudeceu e calou-se...
Mas o silêncio da noite
Que era negro, em vez de doce,
Doía como um açoite.
Que feito foi da princesa
Que um infante português
Alcançou, por sua presa,
Na luta dura e soez?...
Conta-nos, agora, a tenda,
Que tão valente guerreiro
A levou pra a sua tenda,
Sendo dela prisioneiro.
Quis tomá-la por esposa,
Depois de a fazer cristã...
Mas... ai!... ó enigma cousa!...
Era morta uma manhã...
Era morta, espedaçada,
E o sangue dela corria
Naquela terra impregnada
De vermelho, em pleno dia.
E de novo a voz se ouviu
Cava, profunda, serena:
Cristão, de que serviu
“Qu’reres mulher sarracena?
“Ou Allah não fosse o Deus
“Senhor dos encantamentos...
“Só por isso, filhos meus
“Não tendes em casamentos...

“Agora, pra teu castigo,
“Aos dois eu vou encantar...
“Vou assim, luso migo,
“Em lagoa transformar
“O choro que dos olhos fundos
“Do teu peito há-de brotar...
“E a estes chãos infecundos,
“LAGOA eu irei chamar...

“E do sangue derramado
“Do corpo de minha filha,
“Um licor avermelhado
“Vos deixo, por maravilha...
“Heis-de o beber, pouco a pouco,
“Jamais vos matando a sede,
“Para que vós, pobre louco,
“O deis a quem vo-lo pede...
“Para sempre assim será,
“Enquanto mundos houver...
E a voz profunda de Allah
Não mais se ouviu, por mister.
Passaram anos, mais anos,
E, aos poucos, foram nascendo
Daqueles chãos improfanos
Verdes vinhas que só vendo
Se podem imaginar
Cheias de vida e de sumo
De um licor que, ao paladar,
Empresta rumos ao rumo.
E foi esta a história horrenda
Que a História ainda apregoa...
Mas daqui nasceu a lenda
Do bom vinho de Lagoa...

 

Fonte Biblio LOPES, Morais Algarve: as Moiras Encantadas s/l, Edição do Autor, 1995 , p.166-171
Place of collection Lagoa, LAGOA, FARO


Fotografia - Algarve por Artur Pastor

Setembro

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Não sei se te conheci em Setembro!
A memória já me trai,
mas gostava que tivesse sido…
Setembro, o meu mês preferido,
lânguido, sereno, quando a folha cai
e o ocaso da vida vai vencendo.
Setembro ,
árvores vestidas de tons dourados,
um pôr de sol de sonho,
um poema que componho
olhando as folhas no chão
com um frio no coração.
Setembro,
eu amo-te mesmo assim,
és o meu futuro Outono,
minha vida ao abandono,
és o principio do fim…
E no tempo que me falta,
vou revivendo
os Setembros que vivi…
Breve passaram os anos,
e agora, neste meu doce Setembro
uma dúvida me assalta!
Será que te conheci?

 

Alcina Viegas
(Tavira)
Fotografia de Pedro Cabeçadas
(Faro)

Eurydice

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Eurydice perdida que no cheiro
E nas vozes do mar procura Orpheu:
Ausência que povoa terra e céu
E cobre de silêncio o mundo inteiro.

Assim bebi manhãs de nevoeiro
E deixei de estar viva e de ser eu
Em procura de um rosto que era o meu
O meu rosto secreto e verdadeiro.

Porém nem nas marés, nem na miragem
Eu te encontrei. Erguia-se somente
O rosto liso e puro da paisagem.

E devagar tornei-me transparente
Como morte nascida à tua imagem
E no mundo perdida esterilmente.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

Fotografias de Eurídice Cristo

 

Outono

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Na mesma fusão de sentimentos fita no alvo firme à minha frente vou deixando pelo caminho lentamente a alegria do meu coração menino. Será o outono o culpado? Dizem que no cair da folha muitos partem... sim, partem os que amei em sintonia, por isso vou ao calendário e atraso um dia mas só me engano a mim oh que ironia...

 

Josefa Lima

Fotografia de Eurídice Cristo

Amo-te

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Amo-te. Amo amar-te. Ontem foste cascata, hoje és torrente, amanhã quem sabe? Talvez um rio. Um rio paciente? Exaltado? Amo amar-te e nunca sei quantos somos nesta cama: sinto a terra, vejo estrelas, ouço o mar.

 

Casimiro de Brito em "Livro de Eros"

Fotografia - praia do Castelejo por Vitor Pina Silva

Estendo-te as mãos

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Estendo-te as mãos E colho o canto dos pássaros E dos rios. Estendo-te as mãos E sorvo o gosto do orvalho E das neblinas. Estendo-te as mãos E o que acontece em mim? Sensuais desvarios Dos rios e das planícies Que me ensinas. Estendo-te as mãos E só então sei… Que te amarei Até ao fim.

Manuel Neto Dos Santos

Fotografia - ria de Faro por Martyna Mazurek fotografia

Lenda da moura de Albufeira

 Conta a lenda que o Rei Afonso III vivia na altura no castelo de Albufeira, nas muralhas do castelo, apaixonou-se pela escrava, uma moura que se chamava Alina, era uma moura muito linda e o rei apaixonou-se por ela e disse-lhe, deixas de ser minha escrava e vais ser a minha amada. Ela continuava pensando, durante muitos anos enquanto no castelo com Afonso III, nunca se esqueceu do seu amado Abeu-Faahrá, que era um mouro, portanto um rei mouro. O rei mouro nunca apareceu e então ela todas as noites sonhava na esperança de o vir a encontrar, até que uma bela noite sonhou que pareceu-lhe ser o príncipe encantado, o príncipe mouro, mas era um animal que tinha metade cão e metade carneiro. O rei D. Afonso III disse sempre que esse mouro havia, prometia que havia de vir um dia, mas como ele gostava muito dela prometeu-lhe casamento. Ela continuou a dizer que amava era o mouro, o seu amado era o Abeu-Faahrá, mas que nunca mais chegou. O rei D. Afonso III, prometeu fim, que havia de gostar muito dela, de tal forma, a paixão ia ser tão grande, que nunca mais, ela iria esquecer mesmo o príncipe mouro. Tiveram um filho, ela teve um filho do rei D. Afonso III e amor foi de tal intensidade que ela ficou realmente a amar D. Afonso III e então esqueceu o seu amado mouro Abeu-Faahrá. Pronto e viveram eternamente felizes com o seu filho no castelo de Albufeira.

 

Fonte Biblio AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) 

Fotografia - muralha do castelo de Albufeira

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