Uma Tela
Colado à fragrância da rosa
o movimento do ser
que dança e flutua
negando a gravidade
nesse singular momento
no espaço e no tempo
flor e ser
são já eternidade
Josefa Lima
(Vila Real de Santo António)
Arte - António Tavares
(Borba - Évora)
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Colado à fragrância da rosa
Entre os dedos volantes
Que a minha ínfima essência
O sol na serra cheira a alecrim,
A rosmaninho, urze e azinheira.
Ribeira rega o chão como jardim
E nos vales perdura a laranjeira.
A flor da esteva cobre a ribanceira,
Que namora o sol-pôr, em luz carmim.
Todo o caminho trepa na ladeira,
Que mais parece ir ter ao céu sem fim.
É sobe e desce nessa aragem pura
A que as flores silvestres dão frescura
E no chão um tapete colorido.
A sombra incerta, rala, do arvoredo
Talvez do calor guarde algum segredo
Pra ocultar ser ali o Éden perdido.
Tito Olívio (FARO)
Fotografia da Serra de Monchique por Isaura Almeida
Flutuar.
Apenas e só flutuar.
Flutuar sem outra preocupação
que não essa. A de flutuar.
Em puro abandono, manter
o dorso à flor da espuma e do sal,
paralelo ao curso irregular da maré,
até que o mar me devolva novamente
à essência da coisa mais trivial
e me deposite como um ser ausente
no mais recôndito areal.
Miguel Afonso Andersen, no livro "Mar de Dentro"
Fotografia - Portimão por Vitor Pina - Photography
Deus — talvez esteja aqui, neste
pedaço de mim e de ti, ou naquilo que,
de ti, em mim ficou. Está nos teus
lábios, na tua voz, nos teus olhos,
e talvez ande por entre os teus cabelos,
ou nesses fios abstratos que desfolho,
com os dedos da memória, quando os
evoco.
Existe: é o que sei quando
me lembro de ti. Uma relação pode durar
o que se quiser; será, no entanto, essa
impressão divina que faz a sua permanência? Ou
impõe-se devagar, como as coisas a que o
tempo nos habitua, sem se dar por isso, com
a pressão subtil da vida?
Um deus não precisa do tempo para
existir: nós, sim. E o tempo corre por entre
estas ausências, mete-se no próprio
instante em que estamos juntos, foge
por entre as palavras que trocamos, eu
e tu, para que um e outro as levemos
connosco, e com elas o que somos,
a ânsia efémera dos corpos, o
mais fundo desejo das almas.
Aqui, um deus não vive sozinho,
quando o amor nos junta. Desce dos confins
da eternidade, abandona o mais remoto dos
infinitos, e senta-se aos pés da cama, como
um cão, ouvindo a música da noite. Um
deus só existe enquanto o dia não chega; por
isso adiamos a madrugada, para que não
nos abandone, como se um deus
não pudesse existir para lá do amor, ou
o amor não se pudesse fazer sem um deus.
Nuno Júdice, em "Cartografia de Emoções" (2001)
Fotografia de Martyna Mazurek fotografia