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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Uma Tela

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Colado à fragrância da rosa
o movimento do ser
que dança e flutua
negando a gravidade

nesse singular momento
no espaço e no tempo
flor e ser
são já eternidade

Josefa Lima
(Vila Real de Santo António)

Arte - António Tavares
(Borba - Évora)

 

Celebração

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Que a minha ínfima essência
Atravesse o mar
E o mar me embale e me cubra
Com a sua transparência
E o meigo sol
Alegre a minha eternidade
E as gaivotas me tragam
O riso das crianças

Que a voz amada dos poetas
Silencie o choro
E anteceda o coro
Das mulheres sem idade
Quando lançada à água
A flor
Em nome de mim
Que parti

Josefa Lima

Fotografia de Jorge Florêncio

 

Cheiros da Serra (Monchique)

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O sol na serra cheira a alecrim,
A rosmaninho, urze e azinheira.
Ribeira rega o chão como jardim
E nos vales perdura a laranjeira.

A flor da esteva cobre a ribanceira,
Que namora o sol-pôr, em luz carmim.
Todo o caminho trepa na ladeira,
Que mais parece ir ter ao céu sem fim.

É sobe e desce nessa aragem pura
A que as flores silvestres dão frescura
E no chão um tapete colorido.

A sombra incerta, rala, do arvoredo
Talvez do calor guarde algum segredo
Pra ocultar ser ali o Éden perdido.

Tito Olívio (FARO)

Fotografia da Serra de Monchique por Isaura Almeida

Flutuar

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Flutuar.
Apenas e só flutuar.

Flutuar sem outra preocupação
que não essa. A de flutuar.

Em puro abandono, manter
o dorso à flor da espuma e do sal,
paralelo ao curso irregular da maré,

até que o mar me devolva novamente
à essência da coisa mais trivial
e me deposite como um ser ausente
no mais recôndito areal.

Miguel Afonso Andersen, no livro "Mar de Dentro"

Fotografia - Portimão por Vitor Pina - Photography

Noite de mármore branco esplendente

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Noite de mármore branco esplendente
(João Lúcio)
Em teu sorriso; todo o universo.
Descrevo o amor bissexto, tão disperso,
Inscrevo a tua ausência… e fico ausente.
Ausente do que fui mas não cheguei
A ser porque não sendo é que sou mais;
O teu sorriso, sim, trouxe-me o cais
Onde tu, alma, cais perante a lei
Da morte de onde sempre te libertas
E alcanças a Lusíada certeza;
Da chama deste fado, sempre acesa…
No Amor de um dia a mais, só de horas certas.

Manuel Neto dos Santos, no livro "Passionário"

Fotografia de João P. Santos Photography

 

O Amor

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Deus — talvez esteja aqui, neste
pedaço de mim e de ti, ou naquilo que,
de ti, em mim ficou. Está nos teus
lábios, na tua voz, nos teus olhos,
e talvez ande por entre os teus cabelos,
ou nesses fios abstratos que desfolho,
com os dedos da memória, quando os
evoco.

Existe: é o que sei quando
me lembro de ti. Uma relação pode durar
o que se quiser; será, no entanto, essa
impressão divina que faz a sua permanência? Ou
impõe-se devagar, como as coisas a que o
tempo nos habitua, sem se dar por isso, com
a pressão subtil da vida?

Um deus não precisa do tempo para
existir: nós, sim. E o tempo corre por entre
estas ausências, mete-se no próprio
instante em que estamos juntos, foge
por entre as palavras que trocamos, eu
e tu, para que um e outro as levemos
connosco, e com elas o que somos,
a ânsia efémera dos corpos, o
mais fundo desejo das almas.

Aqui, um deus não vive sozinho,
quando o amor nos junta. Desce dos confins
da eternidade, abandona o mais remoto dos
infinitos, e senta-se aos pés da cama, como
um cão, ouvindo a música da noite. Um
deus só existe enquanto o dia não chega; por
isso adiamos a madrugada, para que não
nos abandone, como se um deus
não pudesse existir para lá do amor, ou
o amor não se pudesse fazer sem um deus.

Nuno Júdice, em "Cartografia de Emoções" (2001)

Fotografia de Martyna Mazurek fotografia