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RUMO AO SUL

RUMO AO SUL

Esta idade

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Esta idade,

pássaro triste pousado
no leito azul
deste rio sempre em corrida
com destino marcado, ao sul
da vida,

vento Suão forte
navegando-nos a pele
pelo norte,
mas que sucumbe sem apelo
à breve brisa de Levante.

Navegante
ou pirata de corso
com rota indefinida,
cavalgando o dorso
do que nos resta da vida.

.
Miguel Afonso Andersen , em "Tríptico de Vozes"
(Portimão)
Fotografia de Paulo Carvalho Photography

 

Saboreio deliciado a poesia

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Saboreio deliciado
a poesia inata do silencio
em cada quase manhã que me acontece.

No murmúrio mudo da ondulação
em constante e esverdeado vaivém,

no canto surdo das aves
no rebuliço ziguezagueante do seu voo,

na serena placidez do instante
pressentida no ar manso e rarefeito que se respira,

até que o dia se inventa
e se manifesta inteiro no burburinho cacofónico
do quotidiano das coisas vulgares e comezinhas.

Miguel Afonso Andersen, no livro "Mar de Dentro"

Fotografia de Isaura Almeida

Mar de dentro

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Mar de dentro,
a aparente
tranquilidade deste tempo,
desta idade,
na conjugação do ser e do sentir.

Mar de dentro,
mar metafísico do devir
nesta latente serenidade
que não sendo ainda luz
porém é já claridade.

Miguel Afonso Andersen, no livro "Mar de Dentro"
* lançamento previsto para 22 Outubro
(Portimão)

Fotografia - Praia dos Três Irmãos - Alvor por Vitor Pina - Photography

Dar ou receber amor

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Não consigo viver
sem dar ou receber
amor

Só vivo bem com afeto,
de peito aberto, coração repleto,
só assim sou eu, inteiro e completo.

Por isso, entendo e sou solidário
com este meu coração
e já pouco me importa
quando ele se zanga, grita, revolta,
insulta, sai e bate com a porta,
eu sei que depois ele volta,
foi apenas passear, ver e ouvir o mar.

Lentamente e só, calcorreia
a calçada longa e luzidia das águas,
uiva amargamente à lua cheia
como um coiote vestido de mágoas.

Chega depois, lento, tardio e triste,
de perfume estranho ungido
aroma, essência que só existe
na raiva dum coração desabrido.

Sem acender a luz
senta-se ao velho piano
martelando com raiva uma sonata que traduz
de cor, o tom e o som da dor e do engano.

Miguel Afonso Andersen, em "Tríptico de Vozes" (Pássaro Suspenso)
Fotografia - Gruta da Praia do Carvoeiro . Algarve
 
 
 
 
 
 
 

 

O silêncio

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O silêncio
escoa lento
na ampulheta cabisbaixa dos minutos,

ecoa pesado
na fímbria madura e vibrátil das horas,

acama-se sedimentado
no aluvião vencido dos dias repetidos.

O silêncio não é,
do som, uma hibernação,
esse vácuo que perturba ou acalma.

O silêncio é uma condição,
audível ou não, ele é um estado de alma.

Miguel Afonso Andersen, no livro "Mar de Dentro"

Esse teu segredo

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Esse teu segredo
Não quero mais nada;
Que a nudez rasgada
Se mostra sem medo,
Na terra deitada.
Aberta, despida,
Esperando a semente
Lançada, e esquecida,
Que é parte da gente.
O abrolho, o vagido
Do verde que espreita
No rego estendido…
De safra e colheita.

Manuel Neto dos Santos, do livro "Sulino"
(Alcantarilha)

Fotografia - Ameixial (Walking Festival Ameixial)

 

Alinhavo palavras

 

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Alinhavo palavras
como quem, sem jeito, costura as dobras do vento.
Raízes suspensas no arame deste tempo
já sem tempo e sem alento.
Vã espera, na esperança
que das próprias trevas do caos
nasça a tal luz e nascida não feneça
e assim finalmente
o poema me aconteça.

Miguel Afonso Andersen, no livro "Mar de Dentro"

Fotografia de Isaura Almeida

 

Tal como um búzio

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Tal como um búzio caído
Meu amor
À beira-mar
Pus na guitarra o ouvido
Tive a alma a soluçar
Pelo mar
Com o mar

Foi tão triste essa alegria
Vibrando cá bem no fundo
ó Meu amor, como eu queria
Oferecer-te o fado
E o mundo
Mais profundo
Mais profundo

Tal como um búzio na areia
Das praias do meu país
É a saudade que enleia
A espuma de ser feliz
Neste sonho de raiz
De marés
Português

Desde então, o meu destino
É o meu xaile traçado
Em cruz, mortalha do peito
Sou do fado, e deste jeito
Por ter um búzio guardado
No areal da aventura
Mais pura

Manuel Neto dos Santos em TEXTOS PARA FADOS- inéditos
(Alcantarilha)

Fotografia - Praia do Castelejo . Vila do Bispo por Eurídice Cristo

 

Estou vivo e escrevo sol

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Eu escrevo versos ao meio-dia

e a morte ao sol é uma cabeleira

que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo

Estou vivo e escrevo sol



Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam

no vazio fresco

é porque aboli todas as mentiras

e não sou mais que este momento puro

a coincidência perfeita

no acto de escrever e sol



A vertigem única da verdade em riste

a nulidade de todas as próximas paragens

navego para o cimo

tombo na claridade simples

e os objectos atiram suas faces

e na minha língua o sol trepida



Melhor que beber vinho é mais claro

ser no olhar o próprio olhar

a maravilha é este espaço aberto

a rua

um grito

a grande toalha do silêncio verde



António Ramos Rosa

Fotografia de Jorge Florêncio

Chama-me!

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Chama-me! E eu logo acudo.
O encantamento da luz,
No quase-nada que é tudo;
A nora sem alcatruz.
O açude que é regaço,
Inverno sem albornoz
Da alcova negra que faço
Para o descanso da voz.
No alforge sobre o ombro
De quem não tem algibeira
Mas a riqueza do assombro
De alvíssaras… a vida inteira.
Chama-me! E eu logo falo
No timbre de um chafariz;
Sou triste, de tão feliz,
Moço do gado; zagalo.

Manuel Neto dos Santos, do livro "Sulino"
(Alcantarilha)

Fotografia do Açude da ribeira do Castelo, Paderne

Regresso ao chão da infância

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Subitamente
regresso ao chão
da infância, à velha casa
na serra deitada. Essa casa
que todos os dias
abre a sua brancura
aos braços do sol, ao céu
para sempre azul. E parece o mesmo
esse velho céu que tanto
interroguei. Todos os dias
regresso ao chão da primeira
fala. A sombra da azinheira
que tantas vezes abracei
acolhe-me de novo nos seus braços
cansados. Terá reconhecido o menino
que sorri ainda
ao seu chão mais antigo?

Casimiro de Brito, POR CIDADES E GRÃOS DE AREIA

Fotografia de Vitor Pina - Photography

 

Génio da Água

 

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Só a mente cósmica, solidários do lume,
nos une. Só ela
em todas as coisas
permanece. Inclinas a cabeça, não suportas
o conhecimento. A súmula
permanência
da morte incandescência maré perpétua
da matéria. Infinitamente idêntico
e jamais igual
o génio da água, a circulação
animal. Assim se nega
a voz do poeta: “O começo e o fim das coisas
são pontos definidos.” Em cada casa
o átrio da casa que procuras; em cada pensamento
o esboço do teu pensamento; em cada sílaba
o prefácio do livro futuro. O andaime
do deus volúvel. Encantações
que trago nas veias. Ó ágil
mercador
de luz.

Casimiro de Brito

Fotografia - Senhora Da Rocha por Jorge Florêncio

Tango

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Tango.
Tango-te.
Tangas-me.

Os corpos alados
suados
na cadencia dos passos

excitados
enlaçados
na volúpia brava do desejo

limitados
no curto laço dos braços
e da promessa dum beijo.

As mãos nuas
no requebro subtil
da anca bamboleante

O volume
íntimo e exuberante
do mamilo
no cetim do vestido, protuberante.

O atiçar do lume
rítmico da minha coxa
no vértice das tuas.

Tango-te.
Tangas-me.
Pelo tango nos tocamos
e sentimos.

No tango nos amamos
e amando nos saciamos.

Miguel Afonso Andersen(inédito)
(Ferragudo- Algarve)

Fotografia de Vitor Pina - Photography
(Portimão)