Ginga… ginga…
Crescem-me cerzidas à pronúncia dos lábios
tão súbitas como antigas, as palavras
rumorejantes num rodopio de sons ribeirinhos
salpicados na dicção mais do que imperfeita da memória.
Adriças lexicais espicaçadas pela curiosidade
cravadas na semântica esdrúxula da história.
Lancha, bote e chata
na vela de pano cru, no remo e na remada
já com a âncora então fateixa a ser içada.
Proa e popa. Bombordo e estibordo. Borda fora.
O barco a fazer água na evidencia dos paneiros
numa vida sem vertedor porque batedor
era o seu nome outrora.
Ginga… ginga…
a gíria gira da marcha à ré dos sem motor.
Só remo, quilha, leme
e o estralho que na xema da vida de dor
clama e geme.
Murejona, marejona, cofre, covo e alcatruz.
Lingueirão, lagueirão que era isco
Bergão, petit-nom de berbigão que é petisco.
Petromax de uma só camisa e tanta luz.
Camaroeiro, seda, sedela e braças d’água.
Chumbada, girador e anzol sem peixe
saltitando hipotético no chalavar da mágoa.
Miguel Afonso Andersen
(Ferragudo - Portimão)
Fotografia de Ferragudo por Nuno Trindade Photography