Na Asa do Sonho
[...] sonhar é voar.
Sonhar, é aspirar um mundo mais perfeito:
É dilatar a alma em êxtase bendito:
É deixar o que é mau, banal ou imperfeito,
Para atingir o que é suave e infinito.
[...]
Pra os corações tu és um bálsamo astral,
Que vem amortecer a dor que os fere e cansa,
Pondo as constelações distantes do Ideal
Perto do largo voo quimérico da Esp’rança.
[...]
Como não ter a alma ao voo do Sonho presa,
Se esta província de oiro, embalada de espumas,
Nasceu dum lindo sonho audaz da Natureza,
Farta da cinza fria e húmida das brumas?!
Esta indolência enorme, este morno cansaço,
Que vem adormentar toda a nossa energia,
É o prazer do Sonho, a ânsia do Espaço,
Onde quer, entre os sóis, voar a Fantasia.
Voar para o país de eterna primavera,
Pra o país do Ideal, albente e singular,
Pra os campos azuis, onde o lírio da Quimera
Abre o corpete de oiro à neve do luar77
“Quem é que não sentiu, nas horas torturadas,
De mágoa aflitiva, ou desolado amor,
Soprar, do coração, as cinzas requeimadas,
A asa singular, que bate em seu redor?!
Quem não sentiu passar, junto à janela escura, –
Onde, a Tristeza, o trouxe, em dor a alma rasa,
Pra meditar, na sombra, a sua desventura, –
Balsamizante e leve, essa invisível asa?
João Lúcio, do livro "Na asa do sonho" (1913)
(Olhão, 4 de julho de 1880 - 26 de outubro de 1918)
Imagem - fotografia de João Lúcio editada pela página RUMO AO SUL